terça-feira, 25 de junho de 2013

DRIBLANDO A BIPOLARIDADE



Bom, talvez o título seja um pouco pretensioso, já que não sei mesmo se é possível driblar a bipolaridade, mas acredito que seja possível conviver com ela, por isso, resolvi fazer este balanço de 10 anos desde o diagnóstico.
Outro motivo forte que me levou a escrever este texto é o fato de ao longo destes anos algumas pessoas próximas e queridas também terem sido diagnosticadas com o mesmo problema e meu intuito é justamente dizer que não estamos sozinhos, que há uma luz no fim do túnel, ainda que não seja lá muito brilhante.
Na época do meu diagnóstico, há 10 anos, minha primeira reação foi procurar depoimentos de pessoas que sofriam do mesmo distúrbio, na esperança que pudessem me trazer sinais de que tudo ficaria bem, mas infelizmente, o que encontrei foi bem diferente: pessoas totalmente dependentes de medicamentos, incapazes de produzir, trabalhar e principalmente, pessoas com qualidade de vida muito ruim. Não era o que eu queria para mim.
Decidi me comprometer com o tratamento médico e que faria o possível para buscar a estabilidade emocional que me faltava. Este é o primeiro e mais importante passo: comprometimento com o tratamento. É bem complicado encontrar psiquiatras e psicólogos capazes e que você confie, mas uma vez que você encontre, eles poderão lhe ajudar significativamente.
O segundo passo e talvez o mais difícil seja justamente encontrar a medicação adequada. É complicadíssimo em alguns casos, desmotivador, doloroso, mas a adequação dos medicamentos é imprescindível para a obtenção de um bom resultado. O mais comum é que o médico indique um estabilizador de humor e um antidepressivo. Antidepressivos sozinhos são perigosos em casos de TBH (transtorno bipolar do humor), pois além de não tratarem a depressão bipolar, ainda podem levar o paciente a uma crise de euforia. Por isso é importante o uso de um estabilizador de humor.
Eu experimentei vários sem sucesso:
Lítio : me causava vômitos, tontura e enjoos sem fim. Não podia nem beber água sem vomitar em seguida.
Luvoxamina : Muita tontura e não ajudou a estabilizar o humor.
Paroxetina: Também não me estabilizou e causava queda de libido.
Topiramato : Problemas sérios de memória e de cognição ( havia vezes que eu não conseguia entender o que as pessoas falavam, em Português mesmo).
E finalmente a lamotrigina, que me causou sintomas horríveis no período de adaptação, mas que me manteve estável enquanto eu tomei. Eu tive diarreia severa e vertigens fortes que me mantiveram em casa por dois meses, ou seja, se tivesse que voltar a tomar qualquer um desses medicamentos e passar pelo mesmo processo de adaptação, a menos que ficasse internada e alguém pudesse tomar conta da minha filha, não haveria como seguir o tratamento. Passar por estes períodos é extremamente inviável para quem tem filhos pequenos e não tem com quem deixá-los, como é o meu caso, ou seja, uma razão forte para que muitas mães não procurem tratamento.
Além dos efeitos colaterais que os medicamentos causam, um dos principais motivos para alguém que sofre de TBH não se tratar é o medo de se tornar apático e passivo diante da vida ou então, de ficar com aquele olhar vidrado e cara de bobo, típicos de quem costuma tomar certos psicotrópicos. Isso também pode acontecer, mas os benefícios do tratamento certo combinado com psicoterapia costumam ser maiores que as desvantagens.
Acho importante mencionar que a terapia é essencial no tratamento e em meu caso foi fundamental. Os remédios tratam os sintomas, mas a terapia aponta quais são os gatilhos e mecanismos que desencadeiam uma crise. O autoconhecimento é a arma mais eficaz na luta contra os sintomas agressivos da bipolaridade.
Percebi que as crises mais fortes e duradouras eram cíclicas. Voltavam sempre no mesmo período do ano e a partir desta constatação, eu consegui começar a lidar com elas de forma mais consciente. Como a bipolaridade não tem cura, o ideal é que o tratamento seja feito para o resto da vida, porém, o altíssimo custo do tratamento que envolve consultas em bons psiquiatras, terapia e medicamentos caros (infelizmente os mais eficazes costumam ser os mais novos, sendo assim, mais caros também), acaba levando muitos pacientes a abandonarem tudo.
Eu estou há 5 anos sem fazer tratamento. Mantenho um calmante por perto em caso de ter que lidar com situações extremas, mas estou estável, sem passar por crises fortes. As alterações de humor sempre existirão. Euforia e depressão também, mas aprendi a lidar com elas e aprendi que algumas mudanças são muito importantes para que eu possa ter uma boa qualidade de vida.
Aí você pode pensar que eu sofro do tipo mais leve do transtorno (existem níveis e tipos) e que por isso deve ser fácil estar sem tomar remédios e a resposta é não! Infelizmente sofro do tipo mais severo, aquele que a pessoa vai da carta suicida (não só as escrevi como cheguei muito perto de consumar o fato) aos delírios de grandeza, beirando esquizofrenia. Fui de um polo ao outro por incontáveis vezes. Já coloquei tudo a perder, cometi erros irreparáveis e fico extremamente feliz quando alguém duvida que eu seja bipolar, porque significa que minha luta diária alcança os objetivos esperados. A verdade é que os inúmeros “amigos” que fiz enquanto estava eufórica também duvidam que eu possa trabalhar, cuidar de filho ou realizar qualquer atividade adulta de forma séria e responsável, porque me conheceram surtada.
Quanto a apatia que eu havia mencionado, ela é real e leva muitos pacientes a questionarem se valeria a pena se tratar e correr o risco de não sentir o êxtase da euforia novamente. Quando ficava apática, não sentia prazer em absolutamente nada e não conseguia me emocionar com o que quer que fosse. Se alguém assassinasse uma criança na minha frente eu teria a mesma reação que tinha ao tomar um copo d’água. Sou do tipo de pessoa que se emociona até com comercial de pasta de dente (tá, nem tanto!), por isso, sei que se nada me toca é porque devo estar apática. O fato é que a realidade NUNCA será tão colorida quanto costumamos experimentar durante uma crise de euforia. Para lidar com isso, acho que só terapia, mas é realmente muito difícil aceitar que você nunca mais irá experimentar o êxtase, a felicidade enorme que uma crise de euforia pode proporcionar. Em uma comparação, essas crises se assemelham ao que ocorre quando alguém usa ecstasy ou cocaína. É bom demais, só que os efeitos que estes episódios causam ao cérebro e ao corpo também são igualmente devastadores. Quanto mais intensa a euforia, mais intensa será a depressão que vem em seguida. Todos os abusos cometidos durante a euforia são sentidos quando seu efeito passa, tal qual o que ocorre quando os efeitos das drogas acabam.
Talvez, uma das coisas mais difíceis de lidar seja a culpa de não se sentir tão feliz quanto você acha que deveria quando algo sensacional ocorre. Depois de viver o êxtase estúpido causado pela euforia após a compra de um vestido caríssimo que você nem tem como pagar (outra característica devastadora da doença: total perda de controle com gastos), você acredita que o nascimento de um filho, sua formatura, o dia do seu casamento ou a compra do seu apartamento poderiam te deixar ainda mais feliz, mas a verdade é que não existe sensação real que se compare ao que ocorre no cérebro quando está sob efeito da euforia e isso é horrível. A felicidade é real, mas êxtase não é algo corriqueiro e você já gastou sua cota durante as crises, ou seja, se sentirá extremamente feliz, experimentará sensações únicas e verdadeiras, causadas por situações reais.... Mas como disse, a realidade nunca mais será tão vibrante e colorida, o que não significa que passará a ser morna e sem graça.
Bom, o que tenho feito para lidar com tudo isso? Além da terapia que foi o que me ajudou a identificar o que desencadeia grande parte das crises, tive que aceitar que meus limites são diferentes das pessoas que não sofrem de nenhum tipo de distúrbio (poucas pessoas!). Sei que tenho que evitar situações de stress, que manter uma rotina (odeio rotinas!) é tão imprescindível quanto uma boa qualidade de sono. Boa alimentação e exercícios físicos podem gerar resultados semelhantes aos dos medicamentos e obviamente, evitar drogas, bebidas e afins.
Ter o suporte de amigos e principalmente dos familiares nos dá forças para continuar lutando todos os dias e o reconhecimento de que devemos lutar um dia de cada vez também funciona. No entanto, não há como não tomar remédios e ficar impune: vivo com a sensação de que sou um vaso de porcelana chinesa remendado e que a qualquer momento posso quebrar definitivamente. É ruim, bem ruim. Me sinto extremamente frágil e vulnerável na maior parte do tempo. Tenho que me policiar 100% do tempo e isso cansa. Desenvolvi uma forte tendência à paranoia seguida de pânico que me causa sintomas psicossomáticos como diarreia, palpitação, falta de ar e sensação de morte. Tenho gastrite nervosa, hipotireoidismo, fibromialgia e intolerância a lactose.... Tudo isso é reflexo do meu esforço diário em me manter lúcida, estável e no meu ponto de vista, vale muito mais a pena do que tomar psicotrópicos com efeitos colaterais irreversíveis ou extremamente desconfortáveis. Todos estes outros problemas são tratáveis com medicamentos leves, dieta, exercícios físicos e me causam muito menos problemas que as crises de depressão ou de euforia.
Tenho alprazolan e stilnox por perto. O Alprazolan é um calmante que em caso de emergência como princípio de pânico, taquicardia ou até mesmo quando bate uma depressão meio desesperada, ajuda bem. O stillnox é um hipnótico usado para tratamento de insônia que me força a dormir caso eu perceba que esteja ficando eufórica. Durante as crises de euforia é comum não sentir sono e ter uma disposição interminável, por isso, forçar o sono também ajuda a estabilizar o humor. Já cheguei a jogar fora caixas fechadas dos dois, porque realmente não preciso. Só uso mesmo em caso de emergências, o que ocorre muito raramente. Talvez 3 vezes por ano, não sei.
Minha última psiquiatra também me disse que um estudo constatou que após a gravidez, as mulheres tendiam a ficar mais estáveis e isso pode ser verdade. Tanto a intensidade quanto a quantidade de crises não se comparam ao que ocorria antes da gravidez. Foi ela que me alertou para a importância da rotina e da boa qualidade do sono.
Por fim, uma frase simples, dita pela minha amiga Andressa durante uma das minhas crises de depressão foi algo que mudou minha perspectiva e certamente mudou algo em meu cérebro de forma que eu nunca mais tive impulsos suicidas: “O instinto mais primitivo do ser humano é o de sobrevivência”. Mesmo suicidas, quando pulam de prédios, tentam voltar atrás e isso é constatado com a quantidade de marcas de unhas em paredes quando a pessoa tenta se agarrar e voltar. Quando temos filhos, pelo menos em meu caso, o medo de morrer se torna algo tão forte que isso naturalmente acaba afastando qualquer ideia suicida, mas o fato é que se você racionalmente entender que seu instinto mais básico e primitivo é o de viver, seu cérebro irá entender que a vontade de morrer é uma característica anormal, de uma mente doente. Quando entendemos que estamos doentes, entendemos que precisamos de ajuda e conseguimos visualizar perspectivas: conseguimos enxergar a luz no fim do túnel, mesmo que não seja tão brilhante!

domingo, 7 de abril de 2013

A Íliada e o filme Helena de Tróia.


A complexidade dos poemas da Ilíada, juntamente com os comentários do tradutor, sugere que atos simples como uma conversa teriam levado muito mais tempo do que estamos acostumados nos dias de hoje.

A sensação que tenho é que talvez a Iliada tenha sido escrita de forma que o leitor pudesse perceber o tempo na mesma velocidade dos acontecimentos da epopéia. Conversas que parecem durar horas, batalhas que duraram anos e que muitas vezes foram decididas não pelos homens que lutavam, mas pelos deuses que interferiam a favor deste ou aquele povo.

A vaidade típica dos deuses nos dá a impressão de que os seres humanos são meros fantoches em suas mãos e o que é decido no Olimpo deve ser acatado em terra, como se nossa existência aqui fosse um entretenimento para eles.

Notamos também que aos filhos de deuses são conferidas certas habilidades para diferenciá-los de mortais comuns, como Aquiles que além de armas confeccionadas por Hefesto era capaz de espantar os Troianos com seu grito possante.

Acredito que o uso de palavras diferentes como referência a um mesmo objeto torne a leitura dos poemas um pouco confusa, além do próprio Português que é muito rebuscado, o que dificulta o entendimento por parte de quem não está acostumado com este tipo de linguagem.

A idéia de transformar um texto clássico em filme é sempre polêmica, pois sabemos que grandes obras sempre têm sua complexidade comprometida em função da linguagem e do tempo típicos do cinema. Apesar de muitas vezes serem omitidos eventos importantes da história original, os filmes costumam manter a essência da trama e o mesmo acontece com a Ilíada de Homero e o filme Helena de Tróia: apesar de todas as diferenças, qualquer um é capaz de citar o básico, que é o fato de Paris, filho de Príamo, ter raptado Helena, esposa de Menelau e deste episódio ter gerado a guerra entre gregos e troianos e as semelhanças param por ai. O filme não proporciona a noção de tempo em que as coisas teriam acontecido na Ilíada, porque no cinema a velocidade e a noção de tempo são diferentes. Embora o narrador do filme mencione que a guerra durou dez anos, temos a impressão que tudo aconteceu em muito menos tempo, sem contar a falta de caracterização de muitos personagens que apesar de estarem lutando há uma década, pareciam não ter envelhecido de acordo. Heitor, por exemplo, não se casa nem tem filhos, ao contrário do que ocorre no texto original.

O filme também foca muito mais os eventos anteriores à guerra, como a vida de Helena, a falta de caráter de Agamêmnon, deixando de lado o grande o personagem principal da Ilíada que é Aquiles. No filme, Aquiles é retratado como um guerreiro sanguinário, sem valores nobres. Sua ira não teria motivo algum a não ser sua sede de sangue, enquanto no texto original ele é a encarnação dos valores gregos ideais para a época em que foi escrito.

Na Ilíada os deuses incitam gregos e troianos à guerra e participam ativamente das batalhas, no filme eles são apenas coadjuvantes mencionados eventualmente.

Outro equívoco bastante comum é o que acontece com o famoso episódio conhecido como Cavalo de Tróia, que embora tenha ocorrido durante a guerra de Tróia, não é mencionado na Ilíada. O cavalo, estratagema dos gregos que culminou no fim de Tróia, é mencionado na obra posterior à Ilíada, a Odisséia, história que narra a aventura de Odisseu em seu retorno à Ítaca e conta com flasbacks da guerra, onde o cavalo é mencionado brevemente.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Trauma


Hoje, lendo um conto de Edgar Allan Poe, me lembrei do quanto gosto disso, desse estilo, dessa coisa meio sombria e totalmente infanto-juvenil que não chega a assustar mais ninguém, aí lembrei deste conto que escrevi há uns 2 anos e nunca havia postado.

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Débora ajeita o retrovisor para dar uma olhada em seu filho que não disse uma só palavra desde que deixaram a cidade. O menino de sete anos parecia comtemplar a paisagem, as árvores com suas folhas em vários tons de verde, marrom e laranja que voavam e batiam na janela do carro.
Sair de São Paulo para passar as férias de verão no interior fora a escolha de uma mãe preocupada com um menino que perdera o pai de forma tão trágica. Débora e Eduardo não estavam mais juntos, ainda assim, ela sentia muito a perda, principalmente por causa de Pedro que presenciara tudo: o pai fora assassinado durante um assalto à sua casa , enquanto jantavam. Pedro fora poupado, mas o trauma que o episódio lhe causaria, seria permanente.
Como era triste pensar que o primeiro enterro que Pedro tenha assistido fora o do próprio pai. A mãe estranhava a maneira como o filho estava lidando com a situação. Três meses haviam passado desde o ocorrido e o menino parecia bem, a não ser pelo fato de que se tornara muito calado.
— Tudo bem aí atrás?
— Ahan.
— Olha, estamos chegando! Está vendo as placas? Visconde de Mauá – 5 kilômetros.
Débora era artista plástica e passaria os próximos meses trabalhando em uma grande encomenda para uma loja de decorações. Havia escolhido o lugar por saber que era uma região de natureza exuberante, com rios e cachoeiras, lugar perfeito para que ela e Pedro pudessem se recuperar do pesadelo que os últimos meses haviam sido.
A casa que ficariam era alugada e estava localizada no alto de uma pequena colina, em meio a um lindo bosque. O vizinho mais próximo estava a uns 500 metros. Senhor Onofre morava no pé da colina e mantinha uma pequena mercearia que abastecia as redondezas.
Após se estabelecerem no pequeno chalé, Débora se pôs a trabalhar em suas esculturas no quintal, de modo que pudesse observar Pedro brincando entre as árvores. Era reconfortante assistir seu filho sorrir, como se o inferno que viveram há tão pouco tivesse ocorrido anos atrás.
Em uma tarde, enquanto trabalhava, Débora perdera Pedro de vista. Chamou seu nome algumas vezes sem obter resposta alguma. Seu coração gelou e ela correu em meio às árvores do bosque já com lágrimas nos olhos, como se soubesse que algo terrível tivesse acontecido. Em poucos minutos, ela chegava à mercearia de seu Onofre, ofegante e desesperada. O proprietário do estabelecimento segurava Pedro em seus braços e ao se aproximar, notou que o menino estava desacordado e com arranhões pelo corpo todo.
— Pedro! Pedro! – gritava a mãe ao abraçar a criança.
— Calma, senhora! Vai ficar tudo bem. Ele chegou aqui nesse estado, chorando muito e chamando pela mãe. Fique sossegada, que eu levo vocês ao posto médico e lá cuidarão bem dele.
Débora ajeitou seu filho no banco de trás, ainda desacordado e seguiu na frente, no banco de passageiro com seu Onofre. Nenhuma palavra fora proferia durante o trajeto e a sensação que se tinha é que o clima estava tão tenso que seria possível cortá-lo com uma faca.
Chegando ao posto de saúde, o menino fora levado às pressas para a sala de emergência e algum tempo depois, um médico viria acalmar a mãe, dizendo que seu filho estava se recuperando bem. No entanto, o tom das perguntas que o doutor direcionava a Debora, deixava claro que ele suspeitava que a mãe teria sido responsável pelos ferimentos no corpo da criança.
— Como assim? O senhor está insinuando que eu teria machucado meu próprio filho? Que absurdo é esse? Até porque, seria muita estupidez da minha parte arranhar o menino daquele jeito e trazê-lo ao pronto socorro, não acha?
Atraído pelos gritos da mãe, Pedro aparece no corredor, com um frasco de soro pendurado no braço e Débora pode notar com mais nitidez que o que fosse que tivesse atacado seu filho, parecia não ter deixado uma única parte do seu corpo ilesa. Os dois se abraçaram e choraram, mas Pedro nada respondia à sua mãe quando esta lhe perguntava o que havia acontecido. Débora achou melhor não pressionar o garoto, dados os últimos acontecimentos em sua vida.
Alguns dias se passaram e Débora tentou retomar seu trabalho, só que desta vez, sem tirar os olhos de Pedro, que a cada instante, parecia se distanciar mais e mais em um mundo que ela não conseguia entrar. O menino voltou a urinar na cama, coisa que ela também sabia que poderia acontecer devido ao trauma que o menino havia sido submetido. Ela acreditava que um animal teria atacado seu filho na floresta, mas por via das dúvidas, pediu que o chaveiro trocasse as fechaduras da casa.
Pedro, por sua vez, também começou a falar sozinho e quando questionado sobre com quem estaria conversando, ele dizia que se tratava de um novo amigo, Nilo.
Débora tentava se convencer de que a invenção de Nilo também era uma forma de seu filho lidar com os problemas, mas as coisas começaram a fugir do controle quando algumas de suas esculturas começaram a desaparecer e a gota d´água foi quando várias de suas pinturas haviam amanhecido pixadas, rasgadas, destruidas.
— Pedro, eu sei que você está passando por um momento muito difícil, mas destruir as coisas da mamãe não está certo.
— Não fui eu, mãe. Foi o Nilo.
— Pedro, olha, tudo bem você ter um amigo imaginário, mas isto está indo longe demais! Vamos parar com esta besteira, ok?
— Porque você não acredita em mim? Foi ele, eu juro.
Débora, vendo que não conseguiria convencer seu filho a confessar, resolveu deixar o assunto de lado por um tempo e o convidou para ir até a feirinha de artesanato da vila.
Já na vila, Pedro se enturmou com algumas crianças e Débora sentou em um dos bancos da praça com outras mães para observar seu filho. Uma das mulheres não demorou a puxar assunto:
— Olá, vocês não são daqui, né?
— Não. Estamos de férias na casa da colina.
— Ah, a casa da colina.
E tão logo a mulher terminou a frase, uma outra que também estava sentada completou:
— Puxa vida, já fazia tempo que ninguém ficava lá.
— É mesmo? E por que? – Perguntou Débora em um tom quase desinteressado para que as outras duas não percebessem que ela tentava manter segredo sobre o que estava passando com seu filho.
— Ah, você sabe, boatos.
— Cala a boca, Edna. Não vá você querer espantar os turistas!
— Não, por favor, eu quero saber.
Então Edna contou o que toda a vila sabia, diante do olhar de reprovação da colega:
— Então, essa região é cheia de hippies, né? Sabe como esse povo é! Inventam histórias para impedir o progresso. Diziam que quando o asfalto chegou, uma série de duendes ficou sem casa porque muitas árvores foram derrubadas e uma das árvores mais antigas, ficava no terreno onde foi construída a casa da colina. Por isso, que os duendes infernizam a vida de quem fica na casa. Mas isso é só uma lenda.
— Claro, imagine! Duendes... Bom, obrigada pela conversa, mas tenho que ir.
Débora puxou Pedro pelo braço e seguiu para casa certa de que o menino ouvira essa história em uma de suas visitas à vila e que inventara todas as mentiras para chamar sua atenção. Estava aliviada de pensar que encontrara a resposta, mas ficou ainda mais preocupada de imaginar que o garoto fosse capaz de se machucar apenas para aparecer.
Assim que chegaram em casa, Débora colocou Pedro para dormir em sua cama e ligou para a psicóloga que acompanhava o menino após a morte do pai. Ela explicou que todos os últimos eventos ocorridos não passavam de sinais claros de que Pedro estava querendo chamar atenção e que esse era o modo que tinha de lidar com a morte do pai. A psicóloga acalmou a mãe, dizendo que crianças chegam a se ferir gravemente e culpar amigos imaginários, tal qual vinha fazendo Pedro. Ambas chegaram à conclusão, de que mãe e filho deveriam retornar à São Paulo e dar continuidade ao tratamento da criança. Débora desligou o telefone um pouco mais aliviada e foi dormir.
Conforme se aproximava do quarto, pôde ouvir a voz de Pedro que parecia discutir com alguém, mas para sua surpresa, desta vez ouviu uma segunda voz, esganiçada e trêmula respondendo ao seu filho:
— Eu juro, juro, não falo mais nada. – choramingava o menino.
— Não adianta! Agora ela vai querer ir embora por sua culpa. Você falou demais! Eu já te aviso, que você pode até fugir, mas não vai conseguir se esconder! – Ameaçava a outra voz.
Débora correu em direção à porta, que se fechou com uma rajada de vento que soprara na casa e em seguida, só pode ouvir os gritos aflitos de Pedro. Ela forçava a porta sem sucesso enquanto o menino berrava desesperadamente e quando finalmente conseguiu entrar no quarto, se deparou com seu filho sozinho, chorando assustado e com o corpo coberto por hematomas. O menino estava em choque. Ela não teve dúvidas: agarrou tudo que pode no caminho do carro e deixou a casa, no meio da noite, em meio a uma penumbra sem fim. Ela não acreditava em duendes até então, mas se eles existiam, que ficassem com a casa, porque para lá ela não voltaria mais.

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Algumas semanas se passaram desde que mãe e filho voltaram à São Paulo. Pedro voltou a se consultar com a psicóloga e já estava com uma aparência melhor, sem arranhões, hematomas ou amigos imaginários.
Débora tentava não pensar na casa da colina e quase conseguiu esquecer o lugar até uma manhã dessas, quando ao acordar, deu de cara com Pedro ao lado de sua cama. Ele parecia que a observava há algum tempo. Tinha os olhos vidrados e ao abrir a boca, pronunciou um som esganiçado e trêmulo dizendo:
— Você pode até fugir, mas não vai conseguir se esconder.




quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Literatura Juvenil contemporânea: Contos de Fadas ou ou apenas um sinal de rebeldia diante das Instituições?

Exercício proposto no Curso de Letras da Unimes - Análise de Harry Potter, Desventuras em série e Artemis Fowl;



Ao julgarmos determinada obra superficialmente, corremos o risco de fazer uma avaliação precária e completamente errônea do que ela realmente significa.
Afirmar que Harry Potter ou qualquer outro conto de fadas aborda temas como ocultismo, bruxaria, magia negra é o mínimo óbvio. Abordar e apresentar não são sinônimos de pregar, obrigar ou manipular.

Bom, como leitora e admiradora de contos de fadas, só posso dizer que os benefícios que estas histórias trouxeram à minha formação são inestimáveis. Desde a minha criatividade aguçada à capacidade de resolver conflitos, tudo graças à minha imaginação que foi sempre instigada à medida que lia mais e mais.

Na edição de 13 novembro de 2010 da Revista Época, vários jovens leitores de Harry Potter deram depoimentos à respeito dos valores adquiridos com a leitura da saga do bruxinho mais famoso do mundo ( leigos se referem à qualquer tipo de magia como magia negra, mas o tipo de magia praticada por Harry Potter só podia ser praticada graças à pureza de seu coração, afinal, em contos de fadas, a Magia é uma força que pode ser usada para o bem e para o mal, como uma SIMBOLOGIA para os antagonismos encontrados na VIDA REAL!).

O valor da verdadeira amizade, perseverança, confiar em si mesmo, a força do verdadeiro amor são alguns dos valores que estes jovens dizem ter adquirido com a leitura da série. Sou suspeita para afirmar qualquer coisa, uma vez que possuo todos os livros em Português e em Inglês tendo lido todos nas duas línguas, mas se alguém duvida da força dessas histórias, há de concordar que no mínimo é uma excelente fonte de vocabulário e entretenimento, o que me faz crer que é muito mais útil e acessível à um adolescente que um dos vários livros de leitura obrigatória do currículo escolar, cujo vocabulário e complexidade estão bem aquém da maturidade de nossos jovens.

É sabido que ao longo dos séculos as histórias infantis sempre tiveram a intenção de transmitir valores de cada época e com o passar dos anos, é natural que as histórias se adaptem, no entanto, os valores estão lá. Quem acredita que as histórias de hoje deturpam os bons e tradicionais valores morais, ficaria chocado ao saber que as versões mais antigas das histórias que conhecemos eram na verdade, muito mais sombrias e serviam de pano de fundo para encobrir temas tabus, como estupro, incesto, assassinatos e traziam normas de condutas para que problemas como os citados fossem evitados.

Na versão de Perrault do conto da Chapeuzinho Vermelho, o lobo mau engole a vovó e em seguida o conto é encerrado com o lobo devorando a Chapeuzinho, sem caçador, sem final feliz e com uma rima de moral onde fica implícito que o lobo da história é uma metáfora para qualquer jovem sedutor que se encontra à espreita , à espera de moças ingênuas que se arriscam sozinhas pelas ruas(1).

Se em Harry Potter, valores como amizade e amor são facilmente encontrados, em Desventuras em Série os irmãos Baudelaire demonstram como a união da família os ajuda a enfrentar todos os tipos de conflitos, por mais absurdos que possam parecer. No entanto, é possível encontrar em ambas as obras, críticas às instituições e à sociedade de uma forma geral, o que não anula seu valor na formação da personalidade de crianças e jovens.

“É comum que os livros escritos com o intuito de serem comprados para crianças estejam repleto de “morais”, como se a função da literatura fosse essencialmente pedagógica. O fato é que necessariamente não é a 'moral da história' o aspecto do texto que irá chamar a atenção do jovem leitor, já que outros aspectos (algo divertido ou assustador, por exemplo) da narrativa poderão se sobrepor a esse." (Reflexões sobre Literatura e infância em Desventuras em Série – Leonardo Silva)

Quanto a Artemis Fowl, seria frívolo de minha parte afirmar que um personagem cuja maior qualidade seja ser um grande criminoso tem com única função se rebelar contra as instituições. Segundo resenhas de especialistas, trata-se de uma excelente narrativa com divertidas situações inusitadas, capaz de prender o jovem leitor do início ao fim.

Artemis Fowl não é o primeiro anti-herói e nem será o último, mas afirmar que em função disso, sua história não seria capaz de acrescentar algo de positivo à formação da personalidade de adolescentes, seria o mesmo que dizer que toda uma nação irá se prostituir, roubar, matar por influência das músicas que ouve.
Valores morais podem ser apresentados em contos de fadas e estes podem ter como propósito a boa formação de nossos jovens, só que uma personalidade depende de muitos outros fatores para se formar.

Contos de fadas também podem servir de críticas às instituições e à sociedade, mesmo assim, uma rebelião é formada por muitos outros componentes além de palavras em um livro, ou seja, se os livros citados são realmente contos de fadas ou simples artifícios de rebelião contra às instituições, o fato é que sua contribuição para a formação da personalidade de jovens é indiscutível, ainda mais se considerarmos um país como o Brasil, onde a maior formadora de opinião ainda é a novela.

Em tempo: Robin Hood era um ladrão e nem por isso sua história deixa de ser um conto de fadas que transmite valores morais como amizade e justiça e ao mesmo tempo, faz uma crítica ao sistema de cobrança de impostos e à sociedade da época.


(1)Moral de Perault em Chapeuzinho Vermelho:
Little girls, this seems to say,
Never stop upon your way.
Never trust a stranger-friend;
No one knows how it will end.
As you’re pretty, so be wise;
Wolves may lurk in every guise.
Handsome they may be, and kind,
Gay, or charming never mind!
Now, as then, ‘tis simple truth—
Sweetest tongue has sharpest tooth!


On voit ici que de jeunes enfants,
Surtout de jeunes filles,
Belles, bien faites et gentilles
Font très mal d'écouter toutes sortes de gens,
Et que ce n'est pas chose étrange,
S'il en est tant que le loup mange.
Je dis le loup, car tous les loups
Ne sont pas de la même sorte :
Il en est d'une humeur accorte,
Sans bruit, sans fiel et sans courroux,
Qui, privés, complaisants et doux,
Suivent les jeunes demoiselles
Jusque dans les maisons, jusque dans les ruelles.
Mais, hélas ! qui ne sait que ces loups doucereux,
De tous les loups sont les plus dangereux !

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Liberdade

Somos realmente livres? Acredito que o senso comum quando se fala em liberdade é que só é livre quem faz o que quer, no entanto, se fizéssemos apenas o que queremos o que teríamos seria uma anarquia mais ou menos regida pela lei de Talião (Olho por olho...). Em um mundo onde as pessoas fazem o que querem, não existiria lei que garantisse que cada um usufruísse da sua liberdade como bem entendesse, ou seja, regras existem para que nossa liberdade seja garantida. Particularmente, tenho sérias dificuldades com as palavras, regras, leis, obrigações, rotinas... E obviamente, acreditava que me comprometer com o que quer que fosse, era uma forma de talhar minha tão sonhada liberdade. Liberdade nada tem a ver com poder fazer o que quiser, sem dar satisfações ou se preocupar com as conseqüências, é justamente o oposto: Liberdade tem a ver com escolhas, e claro, com renúncias. Só é livre quem consegue fazer suas escolhas de forma consciente e ser responsável pelas conseqüências que estas irão gerar. Agir de forma inconseqüente, sem se preocupar com possíveis danos no caminho não é ser livre, é ser infantil e até onde sei, crianças podem ser puras, mas não são livres. Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. Estou pensando nisso depois de ouvir uma amiga citando Dalai Lama: “esta ação irá lhe proporcionar felicidade ou prazer?” Para mim as duas coisas estavam intrinsecamente ligadas, pois sempre acreditei que fazendo o que me desse prazer eu seria extremamente feliz e talvez, a verdade não esteja tão longe disso, mas a questão é um pouco mais complexa se considerarmos o prazer como algo momentâneo, efêmero e felicidade como um sentimento mais profundo e duradouro. O óbvio seria: sou feliz em sentir prazer e quem não concordaria? Mas novamente, fazendo apenas o que nos apetece, certamente estaríamos ferindo a liberdade de terceiros, não é mesmo? Sei que é cômodo para muitos acreditarem que não são livres, mas a verdade é que ter que lidar com as conseqüências de nossas escolhas não é algo fácil e nem sempre agradável. É mais fácil não tomarmos decisão alguma sob pena de ter que lidar com um furacão de sensações desagradáveis lá na frente, mas em não tomar decisão alguma, você já fez uma escolha, então pode considerar-se livre. Se não sente assim, mais uma vez, de alguma forma suas escolhas o levaram onde está hoje, ou seja, escolheu, renunciou, ninguém o obrigou? Mesmo acreditando nos valores sob os quais foi educado, ainda assim escolheu fazer algo que vão contra os seus princípios? Conhecia as conseqüências e sabe lidar com elas, parabéns, você é realmente livre!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

"Ela se acha" : Apatia, arrogância e bipolaridade.

Para quem não sabe muito sobre bipolaridade, uma das maiores dúvidas de quem é bipolar é saber se certas características são naturais de sua personalidade ou se são reflexo da doença. Todas as vezes que iniciava algum tratamento com novo medicamento as mesmas dúvidas surgiam: o que sinto é meu, é reflexo da medicação ou faz parte dos sintomas da minha bipolaridade. Muitos anos convivendo com essas dúvidas, tomando remédios, freqüentando sessões de terapia e ainda não sei dizer ao certo o que é de quem, mas talvez tenha aprendido a identificar algumas dessas características. Não tomo remédios há vários anos, mas quem convive comigo há muito tempo sente que estou muito melhor hoje do que quando fazia tratamento, no entanto, a bipolaridade continua aqui, não tem cura e tenho que lidar com ela todos os dias. Alguns dias são piores que outros, mas no geral, diria que na maior parte do tempo, eu nem me lembro dela. Tudo isso para chegar a duas características minhas que infelizmente são muito marcantes e sendo elas extremamente negativas, a dúvida é como conseguir que não prejudiquem meus relacionamentos a ponto de pessoas quererem se afastar de mim. Pedir desculpas aos amigos pelas minhas atitudes grosseiras não sei se é o suficiente, de qualquer forma, peço desculpas à pessoas queridas que freqüentemente levam patadas sem merecerem e espero de coração que tenham um pouco de paciência e não se afastem, pois como já mencionei algumas vezes, amo todos vocês. Bom, tenho sido muito apática em relação a quase tudo. Apatia é a total falta de habilidade de demonstrar interesse, alegria ou entusiasmo pelo que quer que seja. Se alguém me contar que ganhou na loteria vai observar em mim a mesma reação que eu teria se a mesma pessoa contasse que o dia será chuvoso.... Branco total na expressão. O pior é que além da falta de interesse eu não tenho vontade nem de me esforçar para esboçar algum tipo de reação, me dá muita preguiça. Minha apatia é passageira, embora não saiba dizer por quanto tempo ela irá ficar, mas quem me conhece muito bem, sabe que minhas reações normais tendem a ser mais efusivas, do tipo boba alegre mesmo... Não sei o que é pior! RS Quanto a arrogância, ah...essa é minha mesmo. Às vezes ela fica lá na dela, mas tenho me sentido mais arrogante que o normal, o que pode ser reflexo de alguma outra característica da bipolaridade, mas ela é minha e eu acho horrível. Por essa qualidade eu realmente devo muitas desculpas à todo mundo, porque conviver com alguém que se acha melhor que os outros, deve ser um porre. Meus amigos e familiares são mesmo heróis. Não me acho melhor que ninguém, mas talvez tenha que voltar a fazer terapia para conseguir expressar melhor o que sinto, pois sei que pareço extremamente arrogante na maior parte do tempo. Eu sou, sei disso e estou tentando me controlar, pois não há nada na minha personalidade ou na minha vida que justifique acreditar que o que eu faço ou tenho seja melhor do que o que você faz ou tem. Sorry for that! Aceito sugestões quanto a lidar com isso e evitar que esta característica me afaste das pessoas que amo. Por agora, acho que o melhor conselho seria fechar a boca. Ouvir mais e falar menos, falar quase nada e quando o fizer, tentar se mais simpática. Estou me esforçando, acreditem. Se eu vou conseguir, aí já é outra história, para um próximo post. Wish me luck! ;)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

FOREVER YOUNG

“Não Dani, você não pode ficar lendo esses blogs porque eles fazem você acreditar que precisa de tudo aquilo. Eles incentivam um consumismo desenfreado” “Ah, fala sério! Você gosta dessa música? É de uma boy band! Isso é tão adolescente” Estas são frases que ouvi recentemente e para variar, me fizeram pensar sobre algo que já venho refletindo desde a Palestra da Márcia Tiburi – “Rock and Roll – A invenção da adolescência entre a indústria e a angústia cultural”. À primeira vista, pode até parecer que as frases não tenham a ver com a palestra em si, mas a verdade é que tem tudo a ver. Estou com 35 anos e freqüentemente o assunto da idade vem a tona, como se passar dos 20 fosse uma vergonha total, diagnóstico de doença terminal ou coisa parecida e de certa forma, é quase isso. Sei disso porque mesmo sendo capaz de refletir sobre o assunto e saber que no fundo toda a indústria cultural gira em torno da venda de conceitos e produtos que nos façam acreditar que somos jovens para sempre,eu me vejo fazendo parte do jogo. Forever Young, é o sonho da maioria das pessoas, ou pelo menos, da maioria das mulheres que conheço. Seria redundante dizer que sofro de uma síndrome de Peter Pan gravíssima, mesmo assim, é muito difícil escapar de tudo isso. Entre minhas resoluções de ano novo, a mais importante era a de me tornar uma pessoa mais vaidosa, me cuidar mais, aprender a me vestir melhor e no fundo tudo não passa obviamente de uma tentativa de voltar no tempo ou enganá-lo de alguma forma. Errado? Fútil? Acho que não, porque é incrível o que estar de bem com sua aparência faz por sua auto-estima e como alguém pode se sentir mais confiante por estar com a auto-estima no lugar. No entanto, a questão é justamente que, para nos sentirmos bem conosco, nós estabelecemos parâmetros que estão ao nosso alcance, ou seja: celebridades que vemos todos os dias na TV, modelos de revista e por ai vai... Só que estas pessoas não são reais e acabamos caindo na armadilha de acreditar que só seremos admiradas se nos parecermos um pouco com o que é nos vendido como belo pela mídia. Tudo muito óbvio e mesmo assim, muito difícil de escapar. Por que me preocupo? Porque com 35 anos e mãe, sinto que certas atitudes são esperadas pelos outros no que diz respeito ao meu comportamento, jeito de vestir e não sei se algum dia vou me “encaixar” no perfil , simplesmente porque não me vejo como uma mãe de 35 anos. A maior parte das minhas amigas são mais jovens e eu continuo gostando de sair com elas, dançar, me divertir e principalmente, no que diz respeito à moda, a moda é feita para adolescentes, não para mães! Tá, eu não ligo tanto para moda, mas o fato é que todas as roupas que gosto de vestir, tudo que gosto de usar tem um perfil adolescente. Big deal? Sim! Você ainda não percebeu que não se trata de moda e sim do fato de realmente acreditarmos que não existe nada mais belo, nada mais sexy, nada mais apropriado do que ser JOVEM, mais precisamente, adolescente. A constante busca pela fonte da juventude vai acabar conosco. Não sei se alguém consegue lidar com isso de uma forma positiva. Eu definitivamente não consigo. Quero parar o tempo. Começa com uma música que é seguida de uma atitude, que gera um estilo que é sempre, sempre adolescente. Procuro estilos para me vestir mais adequadamente e tudo que eu gosto é usado por meninas muito mais novas do que eu e eu realmente acredito que suas roupas vão ficar ótimas em mim. Talvez eu esteja sendo ridícula. A Márcia Tiburi explica na palestra que a adolescência foi inventada no período pós guerra, quando os jovens passaram a ficar mais tempo na casa dos pais. Até então, a criança saia da infância, casava e era adulto. Hoje em dia, a adolescência tem durado cada vez mais. Para os gregos, um homem só era considerado adulto após os 30 anos. Números à parte, gosto dos elogios que recebo quando uso determinada roupa. É bom demais, mesmo sabendo que no fundo , eu esteja agindo exatamente como a tal da indústria cultural espera que eu aja. Um saco, porque mesmo me sentindo um pouco fantoche, é inegável que queremos nos sentir admirados e infelizmente, elogios não virão se eu jogar tudo para o alto e resolver virar punk, amaldiçoar o sistema. Eu estou no sistema, caramba! É , assim como a maioria das mulheres, preciso de aprovação! Não basta olhar no espelho e gostar do que vê, é preciso que todo mundo reafirme sua escolha. Go figure! Sei disso, me preocupo com o rumo das coisas e mesmo assim , não pretendo mudar. Saco! Não seria bem mais fácil simplesmente ser ignorante e aceitar tudo sem questionar? Pelo menos não estaria neste conflito estúpido. Bom, esta é a palestra: http://www.cpflcultura.com.br/2010/10/14/rock-and-roll-%E2%80%93-a-invencao-da-adolescencia-entre-a-industria-e-a-angustia-cultural-chuck-berry-e-elvis-presley-%E2%80%93-marcia-tiburi-e-fernando-chui-2/comment-page-1/#comment-6102