sábado, 30 de julho de 2011

Jibóia, Papo-de-anjo e outros delitos.


- Adoro temporais – pensou enquanto olhava a chuva que caia lá fora.
Há dias sentava ao lado da janela com aquele mesmo olhar melancólico. Jibóia, como era conhecido, já não era o mesmo. Alguns diziam que havia perdido a mão para a coisa.
- O que você vai ser quando crescer?
- Assassino de Aluguel – respondia.
Sabia desde pequeno que essa era sua vocação, para desgosto dos pais. “Influencia dessas porcarias que passam na TV” – diziam
Seu primeiro assassinato, embora acidental, aconteceu aos 6 anos de idade. Ganhara um pintinho numa dessas feiras de animais e todas as noites o bichinho dormia empoleirado em seu pescoço. Antes de se deitar, Miguel – na época ainda não havia recebido o apelido pelo qual é conhecido atualmente - colocava Sultão – nome que deu ao pinto – em sua caixa e então ia dormir... Exceto naquela noite: de tão exausto, acabou dormindo enquanto assistia TV e quando acordou, a primeira coisa que notou foi Sultão esmagado embaixo da almofada. O coitado do bicho parecia ter sido passado a ferro, como nos desenhos animados.
Seu segundo animal de estimação foi um gato preto, curiosamente encontrado numa sexta-feira 13, embaixo de uma escada da casa abandonada que havia em sua rua. Penumbra não poderia ter um nome mais apropriado. Uma pena que o pobre bichano também não tenha durado muito: assim como o pinto, teve sua vida abreviada pelas mãos do menino que tanto amava. Bom, amar não amava, pois gatos não são dados a manifestações de afeição, mas tinha lá uma simpatia pelo garoto. Morrer daquela forma não estava em seus planos (não que gatos façam planos, claro!): Numa desajeitada demonstração de carinho, Miguel abraçou Penumbra com tanta força que só o que se ouviu foi o som dos ossinhos estalando, seguido de um miado estridente e então um último suspiro. O gato morreu e Miguel passou a ser conhecido pela alcunha de Jibóia.
Os anos passaram e Jibóia havia se tornado um importante assassino profissional numa corporação um tanto suspeita, dessas polivalentes que procuram sempre diversificar seus negócios: investia em áreas sólidas como extorsão, assassinatos, seqüestros, tráfico de drogas, entre outros serviços, a pedido de seus clientes. Aliás, a gerência sempre dizia que o objetivo da “empresa” era a satisfação de seus “clientes”... Quem não ficava satisfeito não ousava reclamar sob o risco de perder a língua ou coisa parecida.
O esquema funcionava da seguinte forma: Jibóia recebia um envelope com os dados de quem deveria matar. Não se preocupava se a pessoa merecia morrer ou não. Preferia acreditar que se alguém estava na lista é porque havia feito alguma para estar ali. Nunca viu seu chefe. Sempre falava com um cara que falava com outro cara que falava com outro cara... Tudo muito burocrático, como qualquer empresa séria.
Sua técnica era simples: Invadia a casa da vítima, geralmente à noite, a abraçava, tal qual como fez com seu gato e pronto. O temido abraço da morte era mundialmente conhecido (advento da tecnologia e da globalização – existem até sites em sua homenagem!). Todos diziam que Jibóia nunca abraçava ninguém, mas quando o fazia, você poderia ter certeza de que ira morrer.
Era um dos assassinos mais bem sucedidos de sua corporação, só perdendo em números para a tal da Papo-de-anjo. Também não a conhecia pessoalmente, afinal, uma das características de um bom assassino é justamente sua discrição. Mas, obviamente, como qualquer “artista” depende da apreciação de seu público, era comum que algumas vezes fotos aparecessem “sem querer” na internet ou então algum vídeo no Youtube acabasse entregando alguns, como foi o caso do idiota do Metralha. Discrição e fama não andam juntas, mas Metralha não enxergava o contra-senso nisso tudo... Bom, o infeliz não sabia nem o significado da palavra discrição, quanto mais soletrar contra-senso.
Voltando à Papo-de-anjo , ninguém sabia ao certo como ela era. O que se sabia é que estaria para se aposentar com honra pelos serviços prestados. Ora, com mais de 30 mortes nas costas e prestes a se aposentar, já devia estar sentindo o peso da idade .
No entanto, nada disso importava agora. Jibóia havia estragado tudo. Em seu último trabalho tinha conseguido por a perder o que havia conquistado nos últimos anos. O tal do cara que fala com o cara que fala com o outro cara havia dito que o “chefão” queria vê-lo. Era o fim.
Precisava pensar em um bom álibi para justificar seu fracasso na última missão. O que poderia dizer? Se contasse a verdade, provavelmente perderia a credibilidade diante de seus empregadores, mas a verdade era simples: quando viu as fotos de seu alvo, o assassino simplesmente travou e não conseguiu se mover por dias. Não poderia matar um padre e embora não levasse uma vida religiosa, a palavra SACRILÉGIO piscava em sua mente em letras vermelhas garrafais.
A chuva continuava a cair e mesmo não tendo pensado em nada que justificasse sua falha, encheu-se de coragem e foi encontrar o chefão. Mentalmente se preparava para o pior. Não era mais o mesmo: depois de ter poupado o padre, estava tendo crises de consciência, a se perguntar se queria continuar nesta vida. Talvez seus colegas estivessem certos: havia perdido a mão para a coisa, no seu caso, os braços.
Jibóia vai até o local combinado onde um dos “caras” já o aguardava. Entra no carro e de olhos vendados, como é de praxe, segue ao encontro de seu destino.
Chegando ao lugar, já sem a venda nos olhos, repara que o ambiente é escuro, bem no estilo noir dos filmes antigos. Diziam que o chefe era russo. Do fundo da sala, ouviu a voz com um sotaque carregado:
- Aceita uma vodka?
- Ah... Claro, por que não?
Pegou o copo com as mãos trêmulas e em um único gole sorveu a bebida.
- Humm... Nossa! Muito boa essa vodka.
- O segredo está no processo. Tem que destilar três vezes.
- Entendo
- Então?
- O que?
- Andam dizendo que perdeu sua habilidade. Verdade?
Jibóia respondeu com um sorriso amarelo:
- Não perdi não. Posso provar.
- Pode?
- Claro.
- Vai ter que provar se quiser manter seu emprego (leia-se vida também).
- Alguém em mente?
- Sim. Dentro do envelope.
- Ok... Mas não tem foto. Só o endereço.
- Não será necessário. Ela estará em casa hoje à noite. Sempre cozinha à noite. Leve esta arma para garantir, caso alguma coisa dê errado.... Você sabe.
Jibóia pegou a arma e partiu ao encontro de sua próxima vítima. Não costumava atirar, mas não hesitaria em usar o revólver caso fosse preciso, afinal, tinha que provar a todos que ainda podia desempenhar seu papel. Depois pensaria o que faria da vida caso ainda tivesse uma.
Quando chegou ao apartamento, notou a porta aberta. Parecia fácil demais. Tudo estava escuro a não ser pela luz que vinha da cozinha e da TV ligada. O filme Psicose passava na tela e à medida que entrava, ouvia o som estridente da música de suspense na cena do chuveiro.
Dirigiu-se à cozinha com a arma na mão. Tinha dúvidas se seu abraço mortal ainda era eficaz. Na mesma hora em que a mulher do chuveiro gritava na TV, ouviu um outro grito. A cena que presenciava era chocante: uma linda mulher, no auge de seus 40 e poucos anos e de longos cabelos negros, empunhava uma enorme faca ensangüentada. Sua roupa também estava coberta de sangue, tal qual o chão. Era tanto sangue que Jibóia, pouco acostumado com situações parecidas, caiu duro.
- Ei! Acorda imbecil!
O assassino vislumbra a mulher que agora, além da faca, também segurava sua arma.
- Acorda, vamos! Desembucha logo... Quem te mandou aqui?
- Ahhhh... - Ainda zonzo da queda, o homem não sabia o que fazer.
- Foi o russo, não foi? Pode falar... Aquele filho da p... Sabia! Que ilusão a minha acreditar nessa história de aposentadoria com honras... E ainda manda um amador para me matar.
- Peraí, moça! Não precisa avacalhar. Não sou amador. Para seu governo sou... Opa! Você disse russo? Aposentadoria?
- Ahan, por que? – perguntou ainda apontando a arma para a cabeça do bandido.
- Então você é a...
- Papo-de-anjo.
- Uau! Tá bem conservada.
- Como é que é?
- Achei que fosse mais velha.
- Ah, então sabe quem sou?
- Sei. Trabalhamos para a mesma pessoa.
- E você quem é?
- Jibóia... A seu dispor!
- Não percebe?
- O que?
- Queima de arquivo, só pode ser. Ele te mandou aqui para que nos matássemos. Acho que você seria meu próximo alvo. Recebi um envelope sem foto, só nome... Um tal de Miguel.
- Eu mesmo.
- Ridículo. Você é um alvo ridículo. Até desmaiou na minha cozinha.
- Também, nunca tinha visto tanto sangue. O que foi? Matou alguém aqui?
- Hahahaha.... Não é sangue. É molho de tomate! Quebrei o vidro tentando abrir com a faca.
- Mas... E então?
- Então o que?
- Como ficamos? Vai me matar ou vamos ficar aqui jogando conversa fora? Você está em vantagem.
- Não te mato se garantir que não me mata.
- O que ganho com isso?
- Dã! Sua vida????
- Tá... Combinado. Tem minha palavra.
- Ok. Me ajuda a limpar essa sujeira e então nós pensamos o que fazer com o russo.
- Tá. Que cheiro bom. Tá assando bolo?
- Papo-de-anjo.
- Por isso o apelido?
- Mais ou menos. O apelido eu ganhei quando pequena, ao roubar uma caixa de Papos-de-anjo da confeitaria. Meu primeiro delito. Na verdade, me chamo Alice.
- Legal.
Jibóia também explicou a origem de seu apelido e os dois assassinos pareciam ter se tornado melhores amigos de infância até que começaram a discordar sobre o plano para acabar com o russo que os havia colocado naquela situação. Em certo momento, Jibóia já cansado de discutir, simplesmente se levantou e disse:
- Olha, muito obrigado pelos bolinhos, estavam uma delícia, dona Papo-de-anjo, mas acho melhor irmos dormir e amanhã conversamos com mais calma. De cabeça fria talvez a gente consiga chegar num acordo.
- Talvez você tenha razão. Nos vemos amanhã então.
Ok... E num impulso, completamente sem intenção, Jibóia se despede de sua nova amiga com um abraço.
Creck... Ahhhhhhhhh
- Essa não, meu Deus... Me desculpa! Fala comigo! Você tá bem?
- Ve...
- O que?
- Ve...
A assassina tentava lhe dizer que enquanto discutiam naquela noite, ela tinha colocado veneno num dos bolinhos.
Jibóia não pôde ouvir. Morreu ali, abraçando seu alvo que ironicamente havia se tornado sua algoz.
Depois do ocorrido, não faltaram teorias entre os demais assassinos sobre o que teria acontecido. Alguns diziam que eram amantes de longa data e que ela o pegou traindo. Outros diziam que ela queria se separar e acabaram brigando. Teorias à parte, os dois se tornaram o casal mais famoso no submundo do crime, ficando conhecidos como “Bonnie e Clyde” brasileiros.
Até hoje, cada um que conta sua história acrescenta um novo crime e há até aqueles que dizem que na verdade eles não morreram, só estariam escondidos esperando o momento certo de acabar com o russo e sua corporação.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Filosofia de boteco e a tal da relevância


Entre os vários fatores que me impediram de escrever por algum tempo (e que provavelmente continuarão impedindo) estão a consciência da falta de relevância do que eu tenho a dizer e principalmente a sensação de que sendo um clichê ambulante ( já que a vida é um baita clichê) eu não vou acrescentar nada de novo à vida de ninguém , ao menos nada que ninguém já não tenha ouvido de alguma outra forma, porque se existe uma coisa que nunca acaba é a imensa quantidade de perguntas que podem ser respondidas por qualquer guru de auto-ajuda, psicologia de coluna de revista ou conversa filosófica de boteco.
Enfim, nada disso muda o fato de que eu precisava escrever. Precisava escrever sobre minhas constatações, as quais demorei tanto para relatar que já nem me lembro mais do que se tratavam... Acho que a maioria era sobre relacionamento: sempre aprendo alguma coisa nova à respeito.
Sim, de fato, uma delas era a seguinte: há 18 anos eu escuto de todo mundo o quanto eu tenho sorte de ter encontrado um homem tão maravilhoso. Ouço o tempo todo o quanto meu marido deve ser um santo, um anjo, um príncipe encantado para estar comigo há tanto tempo e ainda por cima se mostrar apaixonado, carinhoso, etc, etc, etc... E sim, ele é mesmo tudo isso, mas HELLO!!!! E eu aqui? Ninguém NUNCA parou para pensar que com a quantidade absurda de meninas lindas disponíveis, com a concorrência totalmente desleal que existe hoje em dia, homens como ele poderiam ter quem quisesse, ou pelo menos, muitas outras mais bonitas, mais dedicadas, menos loucas.... Homens hoje em dia não precisam fazer o menor esforço para conseguir alguém. Mulheres caem literalmente do céu diretamente em suas camas. Bom, voltando à minha pessoa, eu resolvi me dar algum mérito, afinal, se alguém escolheu estar comigo e agüentar todas as minhas neuroses, eu devo ter algum valor neste mundo. Ele deve ter visto algo em mim que não acredite ser possível achar em outra pessoa e acreditem ou não, ele me ama deste meu jeito torto e como todos sabem, o amor é cego mesmo... Mas até o amor tem seu limite se o objeto de sua afeição não tiver nada que você acredite valer a pena, não é mesmo? Então é isso, uma das minhas constatações é que eu VALHO A PENA PRA CARAMBA!
Bom, outra coisa é sobre a vida em si. Acabei de assistir uma comédia com a minha mãe, ri muito e depois de deixá-la em casa após muita filosofia pós- cinema, eu fiz todo o caminho aos prantos! Por que???? Porque parte da conversa no carro era justamente sobre a nossa percepção do quanto a vida é curta e que principalmente depois de certa idade, a sensação que se tem é que a morte está logo ali e que não queremos partir, simples assim, mas este diálogo me lembrou de que um dia eu terei que lidar com o fato de que as pessoas que eu amo tanto, não estarão mais aqui. É uma merda perceber que um bom tempo já passou e que você ainda não fez tudo o que gostaria nem adquiriu tudo que sonhou, mas é uma merda ainda maior perceber que o tempo está passando e você não está aproveitando sua vida ao lado das pessoas que realmente importam para você. Se você ama alguém, então talvez entenda que muito melhor do que poder dizer que já esteve em Paris, é poder dizer que esteve em Paris ao lado de alguém que realmente ame. Eu mesma trocaria mil viagens à qualquer lugar do mundo por muitas idas ao cinema com a minha mãe, muitas festas juninas com minha família, muitas baladas e conversas fiadas com minhas amigas e muitos finais de semana assistindo filme com o marido enquanto a bebê rouba nosso garfinho do fondue de queijo.
É tudo muito piegas, tudo muito “Não tem preço”, mas é o que tenho sentindo há algum tempo. Estou cansada de não ter minha mãe aqui por perto para podermos fazer coisas bobas como morrer de rir à toa e cada dia que passa eu me convenço mais que a felicidade é mesmo feita de momentos felizes, como um vinho com as amigas, chat tarde da noite com aquele amigo nerd que você adora e que lê seus posts idiotas mesmo sendo idiotas, a gargalhada da bebê, a piada sarcástica do marido, a balada desastrosa com a amiga de infância... É isso, é fácil, é barato... Mas por alguma razão, nos convencemos sempre que a felicidade é alguma outra coisa. Psicologia de filme barato, filosofia de blog, terapia de boteco... Se funciona para mais alguém, eu não sei, mas funciona para mim: parei de chorar.