quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Literatura Juvenil contemporânea: Contos de Fadas ou ou apenas um sinal de rebeldia diante das Instituições?

Exercício proposto no Curso de Letras da Unimes - Análise de Harry Potter, Desventuras em série e Artemis Fowl;



Ao julgarmos determinada obra superficialmente, corremos o risco de fazer uma avaliação precária e completamente errônea do que ela realmente significa.
Afirmar que Harry Potter ou qualquer outro conto de fadas aborda temas como ocultismo, bruxaria, magia negra é o mínimo óbvio. Abordar e apresentar não são sinônimos de pregar, obrigar ou manipular.

Bom, como leitora e admiradora de contos de fadas, só posso dizer que os benefícios que estas histórias trouxeram à minha formação são inestimáveis. Desde a minha criatividade aguçada à capacidade de resolver conflitos, tudo graças à minha imaginação que foi sempre instigada à medida que lia mais e mais.

Na edição de 13 novembro de 2010 da Revista Época, vários jovens leitores de Harry Potter deram depoimentos à respeito dos valores adquiridos com a leitura da saga do bruxinho mais famoso do mundo ( leigos se referem à qualquer tipo de magia como magia negra, mas o tipo de magia praticada por Harry Potter só podia ser praticada graças à pureza de seu coração, afinal, em contos de fadas, a Magia é uma força que pode ser usada para o bem e para o mal, como uma SIMBOLOGIA para os antagonismos encontrados na VIDA REAL!).

O valor da verdadeira amizade, perseverança, confiar em si mesmo, a força do verdadeiro amor são alguns dos valores que estes jovens dizem ter adquirido com a leitura da série. Sou suspeita para afirmar qualquer coisa, uma vez que possuo todos os livros em Português e em Inglês tendo lido todos nas duas línguas, mas se alguém duvida da força dessas histórias, há de concordar que no mínimo é uma excelente fonte de vocabulário e entretenimento, o que me faz crer que é muito mais útil e acessível à um adolescente que um dos vários livros de leitura obrigatória do currículo escolar, cujo vocabulário e complexidade estão bem aquém da maturidade de nossos jovens.

É sabido que ao longo dos séculos as histórias infantis sempre tiveram a intenção de transmitir valores de cada época e com o passar dos anos, é natural que as histórias se adaptem, no entanto, os valores estão lá. Quem acredita que as histórias de hoje deturpam os bons e tradicionais valores morais, ficaria chocado ao saber que as versões mais antigas das histórias que conhecemos eram na verdade, muito mais sombrias e serviam de pano de fundo para encobrir temas tabus, como estupro, incesto, assassinatos e traziam normas de condutas para que problemas como os citados fossem evitados.

Na versão de Perrault do conto da Chapeuzinho Vermelho, o lobo mau engole a vovó e em seguida o conto é encerrado com o lobo devorando a Chapeuzinho, sem caçador, sem final feliz e com uma rima de moral onde fica implícito que o lobo da história é uma metáfora para qualquer jovem sedutor que se encontra à espreita , à espera de moças ingênuas que se arriscam sozinhas pelas ruas(1).

Se em Harry Potter, valores como amizade e amor são facilmente encontrados, em Desventuras em Série os irmãos Baudelaire demonstram como a união da família os ajuda a enfrentar todos os tipos de conflitos, por mais absurdos que possam parecer. No entanto, é possível encontrar em ambas as obras, críticas às instituições e à sociedade de uma forma geral, o que não anula seu valor na formação da personalidade de crianças e jovens.

“É comum que os livros escritos com o intuito de serem comprados para crianças estejam repleto de “morais”, como se a função da literatura fosse essencialmente pedagógica. O fato é que necessariamente não é a 'moral da história' o aspecto do texto que irá chamar a atenção do jovem leitor, já que outros aspectos (algo divertido ou assustador, por exemplo) da narrativa poderão se sobrepor a esse." (Reflexões sobre Literatura e infância em Desventuras em Série – Leonardo Silva)

Quanto a Artemis Fowl, seria frívolo de minha parte afirmar que um personagem cuja maior qualidade seja ser um grande criminoso tem com única função se rebelar contra as instituições. Segundo resenhas de especialistas, trata-se de uma excelente narrativa com divertidas situações inusitadas, capaz de prender o jovem leitor do início ao fim.

Artemis Fowl não é o primeiro anti-herói e nem será o último, mas afirmar que em função disso, sua história não seria capaz de acrescentar algo de positivo à formação da personalidade de adolescentes, seria o mesmo que dizer que toda uma nação irá se prostituir, roubar, matar por influência das músicas que ouve.
Valores morais podem ser apresentados em contos de fadas e estes podem ter como propósito a boa formação de nossos jovens, só que uma personalidade depende de muitos outros fatores para se formar.

Contos de fadas também podem servir de críticas às instituições e à sociedade, mesmo assim, uma rebelião é formada por muitos outros componentes além de palavras em um livro, ou seja, se os livros citados são realmente contos de fadas ou simples artifícios de rebelião contra às instituições, o fato é que sua contribuição para a formação da personalidade de jovens é indiscutível, ainda mais se considerarmos um país como o Brasil, onde a maior formadora de opinião ainda é a novela.

Em tempo: Robin Hood era um ladrão e nem por isso sua história deixa de ser um conto de fadas que transmite valores morais como amizade e justiça e ao mesmo tempo, faz uma crítica ao sistema de cobrança de impostos e à sociedade da época.


(1)Moral de Perault em Chapeuzinho Vermelho:
Little girls, this seems to say,
Never stop upon your way.
Never trust a stranger-friend;
No one knows how it will end.
As you’re pretty, so be wise;
Wolves may lurk in every guise.
Handsome they may be, and kind,
Gay, or charming never mind!
Now, as then, ‘tis simple truth—
Sweetest tongue has sharpest tooth!


On voit ici que de jeunes enfants,
Surtout de jeunes filles,
Belles, bien faites et gentilles
Font très mal d'écouter toutes sortes de gens,
Et que ce n'est pas chose étrange,
S'il en est tant que le loup mange.
Je dis le loup, car tous les loups
Ne sont pas de la même sorte :
Il en est d'une humeur accorte,
Sans bruit, sans fiel et sans courroux,
Qui, privés, complaisants et doux,
Suivent les jeunes demoiselles
Jusque dans les maisons, jusque dans les ruelles.
Mais, hélas ! qui ne sait que ces loups doucereux,
De tous les loups sont les plus dangereux !