quarta-feira, 31 de março de 2010

Narrador de sonhos

O monstro debaixo da cama


Bicho-Papão

Mais uma noite chegava e Alice se preparava para dormir. Seguia o sempre o mesmo ritual: vestia seu pijama e colocava sal em volta de sua cama. Uma vez alguém lhe disse que o sal não deixava os monstros que viviam embaixo da cama sairem de lá.
Mulher feita já, com uma filha de 6 anos, Alice morria de medo do monstro que morava embaixo de sua cama. Sempre esteve lá, desde quando ainda era uma criança e não importava qual modelo de cama tivesse, sabia que ele a acompanharia para sempre.
Nunca havia comentado com ninguém sobre o tal monstro, afinal, achariam que era louca. Nunca o vira, mas sentia sua presença toda noite.
Dormiu e no dia seguinte sua filha veio lhe acordar acariciando seus cabelos e dizendo:
- Mamãe, agora você não precisa mais ter medo de olhar embaixo da cama! Conversei com o monstro que morava lá e pedi que fosse embora. Ele não vai mais incomodar!

Celebridade


Ninguém acreditava no noticiário da TV: O temido Bicho Papão resolvera se entregar e o mundo aguardava seu julgamento ansiosamente.
Em entrevista exclusiva a uma rede de TV, explicou que há anos vinha se escondendo debaixo da cama de uma única pessoa. Contou que precisa do medo para se alimentar, mas que há muito tempo ninguém mais o temia a não ser por esta mulher. As crianças temiam mais um vírus de computador e os adultos, tinham monstros internos muito maiores para lidar.
O dia de sua sentença chegara e havia uma multidão na entrada do fórum esperando o resultado do juri. Parecia julgamento de celebridade.
O monstro fora condenado a prestar serviços comunitários em hospitais, fantasiado de palhaço para alegrar as crianças doentes. Sentiu-se condenado à morte já que ninguém mais sentia medo. Foi então que em uma das visitas ao hospital, notou o choro desesperado de algumas crianças ao se depararem com um palhaço! Melhor ainda: percebeu que muitos adultos tinham verdadeira fobia àquela fantasia e assim, voltou a sorrir esperançoso!

Bate-papo

Mel era uma menina muito esperta e apesar de ter apenas 6 anos de idade, entendia coisas que os adultos não precisavam nem lhe explicar.
Entendia por exemplo que alguma coisa impedia que sua mãe olhasse embaixo da cama quando a noite chegava e de certo haveria de ser algo assustador para que ela nem tocasse no assunto.
Certa noite resolveu investigar e se deparou com essa criatura estranha:
- Olá! Quem é você? O que faz aqui?
- Hã... – o monstro estava chocado com a total ausência de medo da menina – Olá! Sou o bicho Papão. Nunca ouviu falar de mim? Não tem medo?
- Já ouvi sim! Mas não tenho medo. Sei que não pode fazer nada. Olha aqui seu bicho Papão, você não assusta ninguém e se não for embora da minha casa até amanhã, eu vou chamar os meus amigos para rirem de você e depois te expulsamos daqui!
Mel foi dormir confiante de que havia sido clara e de que não veria aquele monstro novamente.

terça-feira, 30 de março de 2010

Bolinhas


Este texto já é velhinho, mas em homenagem à minha amiga resolvi postá-lo.

Eliana chamava atenção na faculdade não só por sua beleza, mas por sua inteligência aguçada. Dona de longos cabelos negros e grandes olhos verdes se fazia notar por alunos e professores.
Quando as aulas recomeçaram, ela conheceu Leandro, seu professor de História Política: um moreno alto, de expressivos olhos castanhos.
No decorrer do ano, Eliana se esforçou ao máximo para não perder uma única aula. Entregou todos os trabalhos em dia e tirou boas notas em todas as provas. Aluna tão exemplar não passaria despercebida aos olhos de seu professor.
Com o tempo, começaram a conversar nos intervalos das aulas, trocaram e-mails sobre trabalhos, livros e tudo mais que tivesse a ver com a matéria.
Certa noite, Eliana combinou com as amigas de irem a um barzinho. Ela e Manú chegaram juntas. Em seguida chegaram Ana, Júlia e Vanessa. Todas vestidas para “matar”, com maquiagem e cabelos que instigavam o pecado. Pouco tempo depois de começarem a beber, notaram alguém familiar numa mesa próxima: era o professor.
Na hora que se seguiu, Eliana não conseguia tirar os olhos de Leandro e percebeu que ele também não tirava os olhos dela. Parecia surpreso de vê-la tão produzida e se fosse possível, ainda mais bonita do que costumava estar na faculdade.
Nas aulas seguintes, ficou óbvia a tensão sexual que havia entre os dois, mas ninguém falava a respeito. Os e-mails se tornaram mais pessoais e foi num desses e-mails que Leandro contou à aluna que após fim das aulas ele se mudaria para Brasília para trabalhar no Itamaraty. Seu último evento na faculdade seria como palestrante no congresso que haveria no encerramento do ano letivo.
Eliana chorou de desespero e de orgulho ao mesmo tempo. Sempre sonhara em trabalhar no Itamaraty, mas sabia que era para poucos.
Nos últimos meses antes do fim das aulas, Eliana começou a traçar um plano para seduzir seu professor. Combinaram que conversariam sobre sua ida ao Itamaraty depois do evento. Ele sabia do interesse da aluna em estudar diplomacia em Brasília, então concordou prontamente em encontrá-la após o congresso.
O dia tão esperado chegou. Eliana estava linda, mas não muito insinuante para não entregar suas intenções.
Terminada a palestra, eles se encontraram e por sugestão dele, foram a um restaurante. Durante o jantar, trocaram confidências e Leandro acabou deixando escapar que há muito pensava em sua aluna, mas que por questões éticas, achou mais apropriado não se manifestar. Contou que desde o dia que a vira no bar, não a tirava da cabeça e ao combinarem de jantar pensou que seria o momento certo para se conhecerem melhor, já que não seria mais seu professor. O clima esquentou e na saída do restaurante acabaram trocando beijos ardentes.
Decidiram ir a um motel. Eliana não se continha de felicidade. No caminho, Leandro confessou que a achava perfeita, que ao longo do ano não conseguira notar um único defeito em sua personalidade. Ela se sentiu lisonjeada e comentou que de fato, suas amigas sempre diziam que ela era a mais equilibrada da turma, a mais calma, enfim, ela era praticamente a perfeição encarnada.
Chegando ao motel, trocaram carícias e beijos até que Leandro começou a se despir, revelando uma linda cueca samba-canção de cetim, preta de bolinhas brancas. Eliana não se conteve e gritou:
—Nãoooooo!Bolinhas não!
A menina se pôs a chorar convulsivamente e deixou o quarto correndo, sem nem olhar para trás.
Leandro, coitado, sem nada entender chegou a achar que tinha alguma coisa errada com sua aparência. Embarcou no dia seguinte para Brasília e nunca mais soube de sua aluna.
Eliana por sua vez, começou a fazer terapia para se livrar da fobia de bolinhas. Nunca entendeu seu medo de bolinhas e também não comentava com ninguém sobre sua aflição cada vez que via ervilhas, sagu ou qualquer coisa que envolvesse formas arredondadas aglutinadas.
Se Leandro soubesse disso antes, perceberia que perfeição era uma palavra forte para definir a moça. Como dizem por ai: “De perto ninguém é normal”, nem mesmo a Eliana!

domingo, 28 de março de 2010

Eurídice


Alguns temas tem sido recorrentes nos últimos dias... Eu diria que recorrentes demais. Coisas estranhas acontecendo ao redor, situações surreais e ainda tem a Eurídice!
Eurídice não é um nome comum desses que se ouve todo dia e no entanto,só hoje me deparei com ela pelo menos 3 vezes!
Magia Negra, luzes se apagando do nada, histórias sinistras... Não é só minha imaginação. Talvez seja o sono, companheiro contínuo, que esteja querendo me pregar alguma peça. De qualquer jeito, vou deixar aqui a história da moça cujo marido lhe tinha tanto amor que foi até o inferno tentar resgatá-la.


"Orfeu, filho de Apolo e da Musa Calíope, recebeu de seu pai, como presente, uma lira e aprendeu a tocar com tal perfeição que nada podia resistir ao encanto de sua música. Não somente os mortais, seus semelhantes, mas os animais abrandavam-se aos seus acordes e reuniam-se em torno dele, em transe, perdendo sua ferocidade. As próprias árvores eram sensíveis ao encanto, e até os rochedos. As árvores ajuntavam-se ao redor de Orfeu e as rochas perdiam algo de sua dureza, amaciadas pelas notas de sua lira.

Himeneu foi convocado para abençoar com sua presença o casamento de Orfeu e Eurídice, mas, embora tivesse comparecido, não levou consigo augúrios favoráveis. Sua própria tocha fumegou, fazendo lacrimejar os olhos dos noivos. Coincidindo com tais prognósticos, Eurídice, pouco depois do casamento, quando passeava com as ninfas, foi vista pelo pastor Aristeu, que, fascinado por sua beleza, tentou conquistá-la. Ela fugiu e, na fuga, pisou em uma cobra, foi mordida no pé e morreu. Orfeu cantou o seu pesar para todos quantos respiram na atmosfera superior, deuses e homens, e, nada conseguindo, resolveu procurar a esposa na região dos mortos. Desceu por uma gruta situada ao lado do promotório do Tenaro e chegou ao reino do Estige, atravessando o lago na barca guiada por Caronte. Passando através de multidões de fantasmas, apresentou-se diante do trono de Plutão e Prosérpina e acompanhado pela lira, cantou:

"Ó divindades do mundo inferior, para o qual todos nós que vivemos teremos que vir, ouvi minhas palavras, pois são verdadeiras. Não venho para espionar os segredos do Tártaro, nem para tentar experimentar minha força contra o cão de três cabeças que guarda a entrada. Venho à procura de minha esposa, a cuja mocidade o dente de uma venenosa víbora pôs fim prematuro. O Amor aqui me trouxe, o Amor, um deus todo-poderoso entre nós, que mora na Terra e, se as velhas tradições dizem a verdade, também mora aqui. Imploro-vos: uni de novo os fios da vida de Eurídice.

Nós todos somos destinados a vós, por essas abóbadas cheias de terror, por estes reinos de silêncio, e, mais cedo ou mais tarde, passaremos ao vosso domínio. Também ela, quando tiver cumprido o termo de sua vida, será devidamente vossa. Até então, porém, deixai-a comigo, eu vos imploro. Se recusardes, não poderei voltar sozinho; triunfareis com a morte de nós dois.

Enquanto cantava estas ternas palavras, os próprios fantasmas derramavam lágrimas. Tântalo, apesar da sede, parou, por um momento seus esforços para conseguir água, a roda de Íxon ficou imóvel, o abutre cessou de despedaçar o fígado de Prometeu, as filhas de Danao descansaram do trabalho de carregar água em uma peneira e Sísifo sentou-se em seu rochedo para escutar. Então, pela primeira vez, segundo se diz, as faces da Fúrias umedeceram-se de lágrimas, Prosérpina não pôde resistir, e o próprio Hades cedeu. Eurícide foi chamada, e saiu do meio dos fantasmas, recém-vindos, coxeando, devido à ferida no pé. Orfeu teve a permissão de levá-la consigo, com uma condição: a de que não se voltaria para olhá-la, enquanto não tivessem chegado à atmosfera superior. Nessas condições, os dois saíram, Orfeu caminhando na frente e Eurídice, atrás, através de passagens escuras e íngremes, num silêncio absoluto, até quase atingirem as risonhas regiões do mundo superior, quando Orfeu, num momento de esquecimento, para certificar-se de que Eurídice o estava seguindo, olhou para trás, e Eurídice foi, então, arrebatada. Estendendo os braços, para se abraçarem, os dois apenas abraçaram o ar! Morrendo pela segunda vez, Eurídice não podia recriminar o marido, pois como haveria de censurar sua impaciência em vê-la?

- Adeus! - exclamou - Um último adeus!

E foi afastada, tão depressa, que o som mal chegou aos ouvidos de Orfeu. Ele tentou seguí-la, e procurou permissão para voltar e tentar outra vez libertá-la, mas o rude barqueiro repeliu-o e recusou passagem. Orfeu deixou-se ficar à margem do lago durante sete dias, sem comer nem dormir; depois, amargamente acusando de crueldade as divindades do Érebo, cantou seus lamentos aos rochedos e às montanhas, abrandando o coração dos tigres e afastando os carvalhos de seus lugares. Manteve-se alheio às outras mulheres, constantemente entregue à lembrança de seu infortúnio. As donzelas trácias fizeram tudo para seduzí-lo, mas ele as repeliu. Elas o perseguiram enquanto puderam, mas, vendo-o insensível, certo dia, excitada pelos ritos de Dionísio (*Baco*), uma delas exclamou: "Ali está aquele que nos despreza!" e lançou-lhe seu dardo. A arma, mal chegou ao alcance do som da lira de Orfeu, caiu inerme aos seus pés. O mesmo aconteceu com as pedras que lhe foram atiradas. As mulheres, porém, com sua gritaria, abafaram o som da música e Orfeu foi então atingido e, dentro em pouco, os projéteis estavam manchados de seu sangue. As furiosas mulheres despedaçaram o vate e atiraram sua lira e sua cabeça ao Rio Orfeu, pelo qual desceram ainda tocando e cantando a triste música, à qual as margens do rio respondiam com plangente sinfonia. As Musas ajuntaram os fragmentos do corpo de Orfeu e os enterraram em Limetra, onde, segundo se diz, o rouxinol canta sobre seu túmulo mais suavemente que em qualquer outra parte da Grécia. A lira foi colocada por Zeus entre as estrelas. A sombra do vate entrou, pela segunda vez, no Tártaro, onde procurou sua Eurídice e a tomou, freneticamente, nos braços. Os dois passearam pelos campos venturosos, juntos agora, indo ele, às vezes, na frente, às vezes ela, e Orfeu a contemplava tanto quanto queria, sem ser castigado por um olhar descuidado.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Palavras no varal


Já vinha sem dormir há algumas noites, por isso quando olhava no espelho só o que via era a imagem de um zumbi: olheiras profundas e cabelos sempre desarrumados.
Havia tentado de tudo: chá de camomila, leite morno, mel, receitas caseiras variadas e até uma “certa erva medicinal”... Tudo em vão.
Contabilizava 3 noites no total quando resolveu finalmente ir ao médico:
- Olá! Em que posso ajudá-la?
- Acho que estou sofrendo de insônia. Não consigo dormir há 3 noites.
- Humm... E sabe ao que se deve sua falta de sono?
- Se soubesse não estaria aqui.... Além do mais, sinto sono, muito sono, só não consigo pregar os olhos.
- Mas alguma coisa deve estar acontecendo para que você não consiga dormir. O que sente quando se deita?
- Um cansaço enorme. Chego a fechar os olhos por alguns minutos, mas meus pensamentos ficam agitados e meu cérebro parece não desligar.
- Entendo. Mas no que você tanto pensa quando vai dormir? Conseguiria descrever estes pensamentos?
- Fácil: Eu estou na frente da máquina de lavar, daquelas que a porta abre na frente, transparente, sabe?
- Ahan. Isso tem alguma coisa a ver com suas tarefas domésticas? Não estaria acumulando coisas demais?
- Não acabei de explicar...
- Ah, me desculpe.
-... Então, como ia dizendo, olho para a máquina de lavar, só que em vez das roupas, são palavras que giram sem parar. Palavras e pensamentos. Algumas vezes, frases inteiras. Eu olho, olho e não consigo pegar nenhuma... A máquina nunca pára e eu sinto como se precisasse pegar as palavras e colocá-las no papel. O problema, é que não consigo, porque a máquina não pára ou então, quando pára, eu sinto que as palavras estão tão embaralhadas que simplesmente não me dizem nada.
- O que você faz da vida?
- Escrevo.
- E está com bloqueio, é isso?
- Não chega a ser um bloqueio, porque quando sento na frente do computador as coisas saem. O problema é mesmo na hora de dormir.
- Eu vou te receitar um remédio porque não é bom ficar tanto tempo sem dormir... Mas cá entre nós, posso lhe dar um conselho?
- Tá incluido na consulta?
- Hahaha... Claro!
- Diga.
- Já que as palavras estão na máquina de lavar, você poderia tentar estendê-las no varal. Faça a máquina parar, afinal, o sonho é seu. Talvez você não consiga de primeira, mas vale a pena tentar. Mas só tome o remédio caso não consiga estender as palavras no varal.
Agradeceu ao médico, passou na farmácia, comprou o remédio e foi para casa pensando no que havia ouvido na consulta.
Ao se deitar, já desesperançosa em relação a tudo que tinha ouvido, contou ao marido sobre a consulta e este, por sua vez, achou engraçado e motivou a esposa a tentar fazer o que o médico lhe propusera.
Deixou o remédio no criado-mudo, junto ao copo d’água. Leu um pouco, levantou mais uma vez e fechou os olhos em seguida. Conforme sugestão do médico, ela tentou parar a máquina de lavar e para sua surpresa, a tentativa foi bem sucedida! Restava-lhe então, pendurar as palavras e frases no varal, como fazemos com as roupas molhadas.
Qual não foi sua surpresa ao perceber que juntas formavam um lindo poema! Anotou então suas palavras estendidas no caderninho que estava ao lado do remédio e da água e finalmente conseguiu dormir.
Nas noites seguintes, usou a mesma técnica e por fim consegiu escrever um livro inteiro de poemas que quando publicou, dedicou ao médico que havia lhe dado o ótimo conselho.
Quanto ao remédio, recentemente seu marido jogou fora ao notar que a data de validade já havia expirado. Já se passaram alguns anos desde a consulta e a caixa permaneceu fechada todo o tempo.

terça-feira, 23 de março de 2010

Sonhos e devaneios


Então ela sonha.
Sonha pela última vez. Sonha suas vidas vividas e sonha as que gostaria de ter vivido,mas não importa, ela não vai mais voltar.Poderá aproveitar cada instante de cada vida sem se preocupar em voltar.Foi esse o trato: sua vida real e finita em troca de uma vida de sonhos sem fim.
Já nem sabe mais que não está acordada, não sabe mais se está sonhando estar sonhando.
Em uma de suas vidas ela é musa inspiradora, uma das 9 filhas de Zeus que trabalha como dançarina num cabaré francês e sua performance juntamente ao efeito do absinto é capaz de inspirar milhares de artistas impressionistas como Tolouse Lautrec. Sua vida, embora limitada, a satisfaz plenamente, pois sabe que obras inteiras lhe serão dedicadas e que será imortalizada em forma de arte. Esse é seu propósito e ela cumpre seu destino feliz.
Numa outra vida ela é uma escritora. Escreve por dias a fio, sem dormir. Seus livros são lidos em mais de 40 idiomas e ela nunca esperou que pudesse ir tão longe.
Em alguma outra vida ela vive no limbo, ou pelo menos é assim que prefere chamar. Sempre esteve lá, nesta praia que é sempre cinza. Não conhece ninguém e sempre teve a mesma idade. Já não sabe mais se na verdade ela faz parte da paisagem ou se sequer existiu.... Talvez seja só uma lembrança de si mesma.
Em algum espaço sem tempo ela é uma rainha. Em seu reino não existem conflitos e quando olha pela janela do castelo ela vê o festival de woodstock. Seus amantes a visitam eventualmente. Promove orgias homéricas por semanas e depois se isola em seu castelo por mais outras semanas e somente observa todos os seus súditos se amarem, num amor sem fim.
Nunca foi mãe, em nenhuma vida. Não sabe se sentirá falta, pois esse conceito não é claro onde ela está agora. Ela anda entre seus sonhos e devaneios e se pergunta se deveria entrar em algum. Olha pelo buraco da fechadura de cada um deles e não consegue decidir por onde começar. Que porta deveria abrir primeiro?Que sonho sonhou mais de uma vez?Que sonho gostaria de esquecer?Que sonho lhe daria mais prazer?
Um sonho de você.... Esse era o nome de uma das histórias que costumava ler. Ela está sonhando a si mesma. O que acontece quando você se sonha?E agora que decidiu não voltar mais, terá a eternidade para descobrir... Um sonho de cada vez.
Já conhece tão bem o lugar e melhor ainda os não-lugares.Sabe da biblioteca onde estão todos os livros não escritos e todos os livros sonhados.Todos os seus sonhos estão lá e ela poderá ler todos,quantas vezes quiser.
Lembra-se de quando a biblioteca era a própria morte. Passaria a eternidade entre estranhos a ler os livros que quisesse e quem sabe eventualmente encontraria alguém conhecido por lá. Sabe que existe um telefone que nunca toca, mas que de tempos em tempos lhe permite fazer uma ligação para o mundo mortal, mas estando morta já não lembraria para quem ligar.
De qualquer forma, sua vida de sonhos começa agora.

sábado, 20 de março de 2010

Leitura narcisista


Parada aqui na frente do computador, tentando escrever alguma coisa que me faça sentido percebi o quanto sou narcisista!O que realmente não combina com baixa auto-estima.
Bom, como já mencionei inúmeras vezes, nada aqui dentro combina. É um tal de sobe e desce que fica difícil me encontrar no meio do caminho e decidir onde estou ou quero ficar.
Mas voltando à minha revelação, não existe nada mais egocêntrico e megalomaníaco do que ler seus próprios textos repetidas vezes... E como faço isso!O tempo todo! É uma terapia para mim. Leio e me transporto para o momento em que escrevi e na maioria das vezes é um sentimento muito bom. Se estava triste, eu percebo o quanto as coisas mudaram depois de ter escrito e se estava feliz, sinto a mesma felicidade novamente.
E pensar que tudo isso começou com um caderninho...
Não sei se vou chegar a algum lugar com isso tudo, o que sei é que me faz muito bem. Às vezes quando leio as coisas lá atrás eu fico extremamente feliz por ter registrado momentos que são importantes para mim e que sempre serão.
Há pessoas que dizem que o destino nunca é importante. O que vale mesmo é a viagem e esta tem sido no mínimo interessante. Todo mundo devia fazer o mesmo. Através do auto-conhecimento é que somos capazes de entender e aceitar o outro e já que vivemos em sociedade, talvez essa seja uma boa idéia.
Tudo isso só me faz lembrar o quanto de coisas eu quero ler e nunca arranjo tempo... Não é a toa que minha idéia de morte perfeita seja justamente passar a eternidade numa biblioteca, onde você poderia passar o resto do seu tempo lendo todos os livros que desejasse.
Mas enquanto a morte não chega, é melhor aproveitar o curto tempo e procurar ler tudo que quero ao invés de ficar tanto tempo viajando dentro da minha própria casca.

Sinal Verde


Esta é uma crônica feita a partir de um trecho da música de Sérgio Ricardo,Pernas.Exercício proposto no curso que estou fazendo.

Sinal verde. Atravessei pra lá do sol... “Saudade FM! Você ouviu Pernas, de Sérgio Ricardo, com o oferecimento do fixador de dentaduras...”.
Não sou muito fã de Bossa Nova e tão pouco sinto saudade de uma época que não vivi, mas tentando sintonizar o rádio do carro, Bossa foi o que restou dadas as outras opções: “No rebolation,tion,tion...” “Quase de manhã e ainda não dormi,fiquei bebendo até cair...” “Gaga uh lá lá...”
Fico pensando o que será que os compositores na época tomavam para escreverem sobre um par de pernas que entra num conversível, o patinho qüem, qüem ou o barquinho que vai e vem.
Deve ser normal que nosso gosto musical se altere com o passar dos anos e tão normal quanto a mudança de gosto é o choque cultural entre gerações quando o assunto é música.
Se tivesse um filho adolescente hoje, não saberia o que é pior: um filho “Emo” que se veste de forma andrógena ou uma filha rebolando até o chão ao som de uma música que enaltece a promiscuidade sem fim, a exemplo da professora que foi filmada dançando o tal de “enfiadinho”... Argh!
Pode ser que daqui a 15 anos, quando minha filha for de fato adolescente ,as coisas não estejam tão ruins.
No final das contas, fico na esperança de que a Bossa volte a ser moda e minha filha se dê por contente em balançar ao som ingênuo do barquinho que vai enquanto a tardinha cai.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Despir-se


Escrever na primeira pessoa é despir-se para quem lê. Talvez não me sentisse tão vulnerável se me despisse de minhas roupas... Mentira! Sempre tive problema em me despir, desde pequena.
Não sou tímida, quem me conhece sabe bem, mas quando se trata do meu corpo, prefiro simplesmente não comentar.
Dificilmente falo a respeito e acho que nem na terapia cheguei a tocar no assunto. Definitivamente é algo que não tenho bem resolvido na minha cabeça.
Não freqüento a praia da minha cidade com vergonha de encontrar conhecidos e só vou à piscina de pessoas as quais tenho muita intimidade.Isso independe de estar gorda ou magra.
A maior parte da vida eu fui magra, na infância e adolescência, magra demais. Era a mais nova da turma e sentia vergonha de ter um corpo tão infantil quando todas as minhas amigas já eram mais desenvolvidas.
Lá pelos 20 anos comecei a engordar e então passei a brigar com a balança e mais ainda com meu espelho. O mais intrigante disso tudo é que minha relação com meu corpo não é tão diferente da relação que tenho com as coisas que faço ou escrevo, por exemplo.
Estando eufórica, acho tudo o máximo. Me olho no espelho e me acho o ser mais irresistível do planeta ,mais interessante , mais inteligente.Tudo que faço acho sensacional.
Deprimida, obviamente tudo passa a ser sem graça.
E quando estou no meio, meio cá meio lá, acho algumas coisas interessantes, outras nem tanto, mas quanto ao meu corpo, prefiro simplesmente não olhar.
Não sei por que também nunca fui muito vaidosa. Sempre preferi fazer qualquer outra coisa a passar horas no salão ou na academia. Odeio academias!Odeio o culto exagerado ao corpo. Odeio ter que ir ao salão fazer as unhas e fingir que estou interessada na conversa da manicure sobre quem vai ganhar o BBB ou o que aconteceu no último capítulo da novela.
Isso me lembra o quanto eu odeio conversa fiada de fila de banco e caixa de supermercado... Fugindo completamente do assunto.
Enfim, aqui me dou ao luxo de me despir um pouquinho... O suficiente para aliviar um pouco da tensão que meus pensamentos provocam na minha cabeça... Só o suficiente para não ficar extremamente sem graça ao imaginar o que os outros vêem ao olhar para mim.

A Barraca de Camping


Como já mencionei algumas vezes,minha família é uma fonte quase infinita de inspiração para meus contos e crônicas.Só a minha mãe daria um livro inteiro de crônicas (estou pensando seriamente à respeito).Esse é um de nossos diálogos:
Toca o telefone:
Oi
Oi..tudo bem?
Ahan...alguma novidade desde hoje de manhã?
É,então...tem uma coisa...eu não estava no clima de contar mais cedo,mas...
Mas,o que?Fala logo!Aconteceu alguma coisa?
Comprei uma barraca de camping
Hã?Como assim?Quando foi nos seus quase 50 anos que você acampou?
Ah,nunca,mas eu tenho vontade....aí comprei uma mesa de camping também!
Nossa,ficou louca?O que te deu na cabeça?
Foi assim:acabou a temporada e o shopping entrou em promoção.Tudo muito barato mesmo,então eu fui com a Cláudia conferir, com o combinado de que uma ajudaria a outra a se controlar...
Ahan...tô vendo.Isso é ridículo.Duas compulsivas juntas no shopping é a mesma coisa que mandar viciado em sexo para os “Viciados em sexo anônimos”...só pode sair suruba.No caso de vocês,uma orgia econômica.O que meu padrasto falou disso tudo?
Nada.Ele riu e me comprou um lampião.
Ah,que bom.Ele vai acampar com você?
Ele disse que não...mas quando eu trouxe a barraca,disse que estava trazendo um sonho para casa.
E o que sua amiga disse?
Disse que não tinha como não comprar porque o preço estava imperdível.
Bom,e ela?Comprou alguma coisa?
Um Ray-Ban.
Aposto que você tentou dissuadi-la da idéia.
Bom, na verdade ela estava toda triste porque queria os óculos e não tinha coragem de comprá-los,então eu mostrei à ela que se dividisse no cartão,não ficaria tão caro.
Grande ajuda a sua.
Mas eu vou acampar um dia.Você sabia que tem um site de um casal que viaja o Brasil inteiro só acampando?Adivinha de onde eles são.
Porto Seguro?
Não,são daí de Santos.
É,incrível.Já estou vendo tudo:quando você e o Áureo brigarem,você acampa na barraca,né?Afinal,a casa ficaria muito apertada com os 15 cômodos só para os dois.
Não fala assim.
É ,só rindo mesmo.Ao menos você ainda não chegou naquele estágio delirante que eu cheguei há uns anos atrás.Bipolaridade tem dessas coisas.O pai da minha amiga contou a ela que tem que voltar a seu planeta natal,Orion,e para tanto,morrerá até o final de 2011.
È,não cheguei lá!
Que bom.
É...enfim,só queria contar isso.
Ah ,tá. Obrigada por compartilhar.Espero que use mesmo a barraca.No mínimo,quando seus netos forem te visitar aí em Porto,poderão brincar com ela,né?
Pois é.
Ta bom.Até mais então.
Até.Beijos
Beijos.

quinta-feira, 18 de março de 2010

However,I wish you luck!



Não acredito que demorei tanto tempo para escrever sobre algo que me irrita profundamente:o Gerundismo crônico que assola nossas conversas e instituições.
Não quero desmerecer o curso que estou fazendo (Letras),até porque ,estaria me desmerecendo também,mas vamos combinar que ao menos na Faculdade de Letras,é de se esperar que o Português não seja tão molestado,coitado!
Já me dói a tutora do curso dizendo "pra mim saber..." ,mas quando li uma mensagem de uma professora em resposta a um e-mail que enviei..ai,ai,ai!!!!Era alguma coisa como:" Olá Daniela!Boa Noite.
Pode deixar vou estar corrigindo este erro.Possilvemente foi um erro de digitação."
Por favor!essa foi só uma das mensagens.Numa outra,ela disse qualquer coisa que a fez parecer parente do Yoda falando.
O pior é pensar que este é o nível das faculdades aqui de Santos,afinal,comecei 3 delas e nas 3 era tudo muito parecido...não é a toa que não me motivei a concluir nenhuma.
Dói demais...Meu Português nem é assim tão bom,afinal eu costumo brincar com meus alunos que Inglês é tão mais fácil que eu sou professora de Inglês mas não poderia ser de Português.
Anyways,estou lançando a campanha "GERUNDISMO ZERO!".Alguém mais já deve ter lançado,então eu "Vou estar aderindo" a idéia (que também não vai mais estar levando acento,não é?vai ficar idea???? )
Tudo isso me faz lembrar a propaganda da série "Community College" da Sony,na qual o diretor faz um discurso sobre o tipo de aluno que frequenta sua faculdade,também conhecida como "Loser's College"...ele tem uma série de cartões com o discurso e simplesmente termina com a frase:"However,I wish you luck" ( entretanto,lhes desejo sorte)e se dá conta que há um cartão faltando,por isso a frase fica meio sem sentido.
É isso...esse texto do jornalista e editor Luiz Costa Pereira Jr. resume bem o que eu penso:
Ele chegou furtivo, espalhou-se feito gripe e virou uma compulsão nacional. Em menos de uma década, o gerundismo cavou pelas bordas seu lugar sob os holofotes do país. É o Paulo Coelho da linguagem cotidiana. Nas filas de banco, em reuniões de empresas, ao telefone, nas conversas formais, em e-mails e até nas salas de aula, há sempre alguém que "vai estar passando" o nosso recado, "vai estar analisando" nosso pedido ou "vai poder estar procurando" a chave do carro. É fenômeno democrático, sem distinção de classe, profissão, sexo ou idade. O gerundismo já foi alvo de tantos e calorosos debates, que mesmo a polêmica em torno dele pode estar virando uma espécie de esporte de horas vagas, quase uma comichão a que poucos parecem indiferentes. Embora não haja explicação única para a origem do fenômeno, sua popularidade chama a atenção não só de especialistas da língua, mas de empresários e ouvidos sensíveis a saraivadas repetidas do mesmo vício.
o resto da reportagem no link: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=10887

Não sei quantas almas tenho


Não é preciso acrescentar nada.Fernando Pessoa já disse tudo nessa poesia.

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Enfadonha


Enfadonha!
Desde que me deparei com esta palavra no facebook de uma amiga,parece que ela tem me acompanhado.Sinto que é o que me define ultimamente.A palavra em si já é enfadonha.Enfadonha,enfadonha...se ficar falando muito ela também perde o sentido.
Talvez seja o cansaço que pese tanto no final do dia,quando me sinto mais sem graça ou uma série de fatores juntos,como não me reconhecer nas formas que me encontro(não sei ser gorda) ou o fato de não dormir como antes ou simplesmente a ausência da Euforia,nem me lembro da última vez que estive eufórica,mas para quem estava tão acostumada a oscilar entre os extremos,ficar perto do meio termo parece muito morno.
Vira e mexe eu empaco neste lugar que fica entre a depressão e a apatia.Ser “normal” não deveria ser tão tedioso.
Talvez,para quem já enxergou a vida nas cores vibrantes de um Toulouse Lautrec ou de um Van Gogh , ter que encarar os tons Pastel de Renoir e Monet faça parecer que a vida perdeu um pouco de tempero.
Não quero ficar eufórica e não sinto falta da adrenalina constante que ela provoca,mas às vezes tenho dificuldade em me acostumar com o que eu deveria.
Odeio esta sensação de não ser nada de mais.
Quando leio meus textos então,tenho vontade de parar tudo.Não estes depoimentos que acabam me ajudando,mas os contos,as crônicas...Sinto que não vou chegar a lugar algum com eles,justamente porque quando os leio,vejo uma pessoa que não quero ser,aquela pessoa enfadonha.
É muito difícil conseguir me sentir tão especial como quando estou eufórica,por mais que as pessoas que me amam tentem,eu infelizmente,nada sinto.
Olho no espelho e tento arduamente enxergar o que meus amigos e parentes vêem...mas eu não vejo.Não tem jeito.
Isso passa...eu sei.
Como disse,não sinto falta da Euforia... mas a paixão com que faço tudo quando estou eufórica é muito difícil recuperar estando aqui onde estou.
Vou continuar a busca,pacientemente,como tenho feito.Sinto orgulho de que ,embora não esteja saltitante , o fato de eu estar estável acalma muita gente.Eu não gosto nem de imaginar o trabalho que dou e a preocupação que causo cada vez que vou lá em cima ou então caio no meu abismo.
Quero crer que estou melhor onde estou,mesmo achando as coisas por aqui um tanto sem sal.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Vende-se apartamento com vista


Esse texto é resultado de um exercício proposto no curso que estou fazendo.O objetivo era escrever um crônica,partindo da frase "Da minha varanda vejo,entre árvores e telhados,o mar". de Rubem Braga :

Da minha varanda vejo,entre árvores e telhados,o mar.Bom,via!Aquele chapéu-de-sol não era tão alto.Como pôde ter crescido tão rápido?
Tudo bem,eu moro no 1º andar de um prédio que fica na subida do morro do José Menino,ou seja,equivalente ao 3º andar,eu acho.
O fato é que quando comprei o apartamento,com aquele orçamento apertadinho,num financiamento a perder de vista,o que me consolava no final de um dia de trabalho duro era aquele pedacinho de mar espremido entre dois prédios na areia da praia.
O anúncio dizia: “Vende-se apartamento em ótimo estado.Quarto,sala,cozinha e dependências.Uma vaga na garagem e linda vista para o mar”.
Hoje eu me pego pensando em alguma forma de me livrar daquela árvore sem que isto me cause maiores problemas.Será que existe crime ecologicamente perfeito?Veneno?Será que seria homicídio?Como se chama quem assassina uma árvore?Arboricida?Até imagino a manchete no jornal: “Serial killer ambiental extermina chapéu-de-sol em plena avenida da praia”.
Veja bem,eu não tenho nada contra árvores,muito menos contra os chapéus-de sol que ornam nossa cidade e providenciam sombra nos dias ensolarados,mas tente me entender:a vida toda pagando aluguel caro,tentando morar perto da praia sem nunca conseguir bancar uma vista para a orla e quando eu finalmente consigo meu pedacinho de mar,eis que o chapéu-de-sol,ali,sorrateiro,no vãozinho dos dois prédios,resolve tapar a vista que custei tanto a conseguir.
E se resolver vender o apartamento?Não poderei colocar este pequeno detalhe no anúncio?Ah,não!Me recuso!Meu anúncio vai ser assim:
“Vende-se apartamento em ótimo estado.Quarto,sala,cozinha e dependências.Uma vaga na garagem e linda vista”.
Se me perguntarem-“Cadê a vista?” – eu de pronto vou dizer: “Logo ali,o “centenário” chapéu-de-sol que no outono nos presenteia com uma linda visão do mar e nos resto do ano,suas folhas ajudam a refrescar este cenário perfeito”.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Mrs. Deby Jones


Conheci a Deby Jones aos 9 anos.Menina levada com a qual fui parar na diretoria por conta das brincadeiras que a professora achava demais.Coisa à toa,cócegas na barriga e rolar no chão de tanto rir!E como ríamos!Até o passeio na diretoria foi divertido.Tudo era motivo de muitas gargalhadas.Tentaram nos separar na escola,acusando-a de estar me influenciando negativamente e que minhas notas haviam baixado por conta de nossa amizade.Esforço em vão,pois mais de 20 anos depois,continuamos mais amigas que nunca,aliás,comadres.
Quando penso nela,muitas coisas me vem à cabeça e caso esse texto venha a parecer uma declaração de amor,digo que é isso mesmo!Amo minhas amigas declaradamente,não é segredo.Deveria escrever um texto sobre cada uma delas,e com o tempo, eu irei,mas hoje,quero falar da Deby Jones.
Lembro-me que uma de nossas brincadeiras favoritas era brincar de Indiana Jones no Orquidário:pedíamos para suas irmãs esconderem tesouros no parque,desenhávamos mapas e passávamos o dia assim.Daí os apelidos,Indiana Dani e Deby Jones.Quando cansávamos,voltávamos para sua casa onde ensaiávamos coreografias de Jazz ao som de “Silent Morning”.Vivíamos num mundo de fantasia alheias às nossas tragédias familiares.
Outros episódios memoráveis incluem o chamado" Xuco no xaco",um jogo de mini baralho na administração do Shopping , a cadeia da festa junina seguida de um salto coletivo na moita do jardim da praia e uma maça do amor seguida de xixi nas tamancas...
Hoje,a considero um modelo,alguém que me inspira nos mais diversos setores da minha vida:decoração,moda,literatura,música,filmes...além de ser umas das mulheres mais cultas que conheço,seu bom gosto é tanto,que toda vez que ela me indica qualquer coisa que seja,eu tenho que conferir,porque muito provavelmente irei gostar.
Recentemente,num dos cursos que participou,teve que fazer um exercício criativo que implicava na criação de um diálogo entre 2 animais,no qual não mais que 3 adjetivos fossem usados.O resultado foi tão bom,que resolvi postar aqui,na esperança de incentiva-la a continuar escrevendo,pois sei que o mundo só teria a ganhar com seus pensamentos e sua perspectiva da vida.

Diálogo entre dois animais - exerc[icio criativo por Deby Jones:

Que pensas?
Na lua, como sempre. E você, por que estás nu?
Bem, estamos naquela época do ano, você sabe...
Não te incomodas com isso?
Não, de forma alguma. Faz parte da natureza.
Natureza? E o que isso significa? Fazer sempre a mesma coisa, agir como lhe é esperado... não te enfadonhas nunca?
E por que deveria? Fui criado desta forma, fomos criados para ser assim.
Já lhe ocorreu que poderias ser outra coisa?
Que idéia? Queres agir agora contra sua própria natureza? Contra seu criador?
Ah, não me digas que acreditas nisso! Acaso sabes quem te criou, ou porque? Terá sido o homem para tirar proveito de tuas virtudes? Terás sido fruto do acaso, ou será que existe apenas em sua própria consciência?!
Anda amigo, busca conforto na sua existência, não percas tempo com essas bobagens. Como pode uma flor desistir de ser flor, ou o fruto maduro desistir de cair de sua árvore?
Crês nisso?
Certamente.
Então, amigo, seja feita a tua vontade. Escancarou a boca. Auuuuuuu! E dilacerou a carne sem lã.