quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Papo Furado


O tema da semana no curso que estou fazendo, é crônica. Eu achava que crônica era minha praia, até que percebi que escrevo contos melhor do que crônicas. Mesmo assim, eu sou apaixonada pelo estilo, principalmente quando essas tem um tom escrachado, uma análise mais sarcástica dos fatos cotidianos.
Walcyr Carrasco está entre meus favoritos. Me identifico com tudo que ele escreve e esta crônica eu li no semestre passado, mas não tinha achado até então.
Bom, aqui está. É ele quem conta a história, mas poderia ter sido qualquer um de nós, por isso é tão sensacional.
*************************************************************************************

Estou no dentista. Boca escancarada. Motorzinho ligado. Ele desanda a falar. Conta do fim de semana. Pergunta:

– Você também já foi para Ilhabela? Em que pousada ficou?

– Grrrrrrrr – respondo.

– Cuidado, não feche a boca.

– Grrrrrr – continuo.

Mais perguntas e novos grunhidos. Quando se afasta um segundo, tento dizer:

– Faz tempo que não vou para Ilhabela, eu...

– Não feche a boca!

Corre, alucinado, para secar meu dente. Parece que cometi um crime. Não há nada mais injusto. Ele fala, fala, conta a vida, aventuras... e sou obrigado a grunhir! Fico pensando: por que dentistas têm a mania de bater papo, se o paciente não pode retrucar?

Motoristas de táxi também adoram falar. Dedicam-se a dois assuntos preferenciais: o tempo e o trânsito.

– Esfriou.

– Hum, hum – respondo.

– Está tudo parado.

– Hum, hum.

Abro um livro, para me refugiar. Que adianta? Inevitavelmente, o taxista continua:

– Agora pouco passei por aqui e a rua estava livre...

Depois de milhares de conversas sobre o clima e os congestionamentos, queria ter o direito de ficar em silêncio.

Até em avião o silêncio anda difícil. Outro dia estava no fim de um romance policial. A mocinha do meu lado sorriu:

– Esse livro deve ser bom. Está lendo com tanta atenção.

– É, sim.

– Também adoro ler.

– Ótimo.

– Qual é o título, deixa ver?

Aterrissamos sem que eu conseguisse descobrir o assassino!

Elevador, nem se fala! Entro, um grupinho está conversando. O mais animado conta uma piada horrenda. Todos às gargalhadas. Olham para mim, confraternizando, querendo que eu ria! Continuo sério. Todos me observam, com antipatia. Como se fosse o conde Drácula. Isso quando não há dois ou três grupinhos animados!

Cortar cabelo é o caos. Sou obrigado a tirar os óculos. Não dá para fingir que estou lendo. O cabeleireiro conversa comigo olhando para o espelho. Para enxergar minha reação. Mas é estranho falar com alguém através do espelho. Adora falar sobre o casamento e comentar as aventuras amorosas do outro cabeleireiro ao lado. Fala alto, para o outro ouvir, na minha orelha! Fofoca:

– Ele está apaixonado.

– Não estou não, só quero farra! – grita o outro, tesourando os cabelos do cliente.

A conversa continua.

– No fim de semana vou para minha cidade, em Minas.

Por aí segue... Faz um relatório sobre sua vida afetiva, familiar e geográfica.

Pior ainda quando o massagista resolve conversar. Estou esticado, pronto para entrar no nirvana. Ele começa:

– Tem ido para o Rio?

Ou:

– Comi um doce de mamão verde que você nem imagina...

– Ahn, ahn.

No final, estou mais exausto do que quando começou. Só de ouvir. Ele comenta:

– Não costumo falar durante a massagem, mas o papo estava ótimo!

Socorro! E pessoas desconhecidas que puxam conversa pelo telefone? Ligo para um conhecido. A secretária atende.

– Sabe que outro dia estava pensando no senhor? Faz tempo que não telefona. Estava viajando?

– Não, é que ando sem tempo.

– Ah, eu também estou numa correria...

Fala da família. Dos filhos, do custo de vida...

As pessoas parecem ter horror ao silêncio. Mas em certos momentos é bom ficar quieto, meditar sobre a vida, deixar os pensamentos correrem. Às vezes, penso que, assim como existem placas de "É proibido fumar", em alguns lugares, poderia haver as de "É proibido falar". Um amigo me lembrou de uma frase atribuída a Tom Jobim. Foi ao barbeiro (naquele tempo era barbeiro), que perguntou:

– Como quer o corte?

E o Tom:

– Sem papo!

Nenhum comentário: