segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Blackout


Seguindo com meus contos de gaveta, este é mais um dos que alguns críticos consideram "pueril". Talvez exatamente por isso,eu goste tanto!
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O dia tinha trazido muita chuva e a noite chegava com um vento gelado que insistia em soprar fazendo uma espécie de uivo. Eu assistia TV quando o transformador na frente do meu prédio explodiu, deixando todo o quarteirão sem luz. Assim como muitas pessoas, eu fui correndo à janela para ver o que havia acontecido e o que vi foram sombras de árvores farfalhando entre os morcegos que estavam em festa. Em pouco tempo o cheiro de incenso e velas aromatizadas tomou todo o ar e por falta de coisa melhor para fazer, resolvi ir me deitar.

Acendi uma vela e segui em direção ao meu quarto e qual não foi minha surpresa ao me deparar com um grande sapo sobre a minha cama! Um sapo do tamanho da minha gata, que àquela altura devia estar escondida debaixo da cama, morrendo de medo. A criatura verde, de pele enrugada e enormes olhos vermelhos coaxava enlouquecidamente enquanto me encarava. Não sabendo muito bem o que deveria fazer, resolvi colocá-lo numa caixa na área de serviço para me livrar dele no dia seguinte.

Voltei ao meu quarto e lá estava ele novamente! Como havia conseguido sair da caixa e voltar à minha cama tão rápido? Já assustada com o monstrengo, resolvi então jogá-lo pela janela. Com o blackout talvez ninguém fosse notar o super sapo voador. Joguei-o e ouvi outro estrondo! Corri para a janela da sala e o transformador havia explodido novamente. Ao que parecia, o pessoal a companhia elétrica teria muito trabalho naquela noite fria.

Retornei à minha cama para me deparar com o maldito sapo me esperando e desta vez, coaxando ainda mais alto! Se já estava com medo antes, naquela hora comecei a ficar apavorada. Peguei a vassoura e bati tanto no sapo que só o que sobrou foi uma sujeira nojenta para eu limpar, mas ao menos, havia me livrado dele. Foi o tempo de eu buscar um pano para limpar o chão e voltar para notar que a sujeira havia desaparecido e o sapão estava de volta à minha cama saltando e coaxando de forma ensurdecedora.

Pensei: “Se ele não sai, saio eu!” e já abria a porta quando ouvi uma conversa vinda dos corredores do prédio. Seriam os moradores? Olhei pelo olho mágico e vi sombras se esgueirando pelas paredes, vindo em direção à minha porta. Será que aquela noite poderia se tornar mais sinistra? Um sapo gigante na minha cama que nunca morria e agora sombras falantes batendo à minha porta:
- Toc, toc, toc...
Eu não respondi. Fiquei ali paralisada atrás da porta.
- Toc, toc, toc...
A sombra não iria embora enquanto eu não abrisse. Não sabia o que fazer. Foi quando ouvi:
- Por favor, senhorita, abra a porta. Não vou lhe fazer mal, só vim buscar o meu sapo.
Que escolha eu tinha? Ao menos surgiu a esperança de que alguém ou alguma coisa fosse levar o sapo dali.

Abri a porta e dei de cara com outra figura bizarra: o ser de cor verde tinha pernas extremamente finas e compridas, não deixando muito espaço para seu tronco. Seus braços longos e igualmente finos carregavam uma bengala e seu rosto minúsculo me fazia lembrar aqueles pigmeus das cabeças encolhidas. Sobre a cabeça ele usava uma cartola que combinava muito bem com o smoking que vestia. Seus olhos tão vermelhos quanto os do sapo, me fitavam esperando um convite para entrar.
- Hã... Entre por favor, senhor... ?
- Greener. Croaker Greener.
- Senhor Greener, entre, por favor. Me acompanhe até a sala.
- Muita gentileza sua.
- Fique à vontade. Seu sapo deve estar ansioso para revê-lo.
- Muito Obrigado.

Nesta hora o sapo apareceu saltitante na sala e se juntou ao seu dono no sofá. O senhor Greener exalava um cheiro insuportável de ovos podres e enxofre, mas eu disfarçava meu desconforto como podia, pois não queria fazer desfeita para minha ilustre visita.
- Ao que devo sua visita no meio dessa noite escura?
- Bom, minha cara, serei breve, pode ficar despreocupada. Você deve estar imaginando o que está acontecendo, certo?
- Precisamente.
- O blackout é a explicação. Sabe, quando blackouts ocorrem, principalmente com explosões como as que aconteceram, é impossível não sabermos lá embaixo.
- Lá embaixo? Onde seria exatamente “lá embaixo”
- Você sabe, no submundo, trevas, inferno... Como preferir.
- Ah, sei, claro – a frase acabou saindo como se eu estivesse achando tudo muito natural.
- Então, no momento do blackout, um portal se abriu e quem estava passando por lá naquela hora, aproveitou para dar uma escapada. Demônios de todos os tipos. Você até que deu sorte porque eu não sou dos piores,
- Nossa, me sinto muito mais aliviada – falei num tom sarcástico.
- Você não tem o que temer. Na verdade só há uma coisa que nos interessa demais aqui em cima.
- E o que seria?
- Suas comidas. Lá embaixo não temos toda essa sorte de guloseimas, sabe?
- Sério mesmo? Mas que tipo de guloseimas poderia lhe servir?
- Você tem chocolate?
- Tenho.
- Hamburguer?
- Também.
- Balas.
- Ahan.
- Gostaríamos de um pouco de tudo.
- Ok... Mas e depois?
- Depois nós partiremos e lhe deixaremos em paz.
- Feito!
Então fui até a cozinha para pegar tudo que era porcaria que pudesse encontrar. Preparei uma farta bandeja com doces, pães, refrigerantes e voltei à sala na esperança que minhas visitas se fossem o quanto antes.
- Aqui está.
- Muito Obrigado.
O senhor Greener e seu sapo devoravam tudo que havia na bandeja como dois glutões quando as luzes voltaram: Puff!
Os dois haviam sumido, mas os vestígios de sua visita ainda estavam lá: além do mau cheiro, embalagens de doces e manchas de refrigerante infestavam meu sofá. Imaginei que teria que queimá-lo em seguida.

Me preparava para dormir quando meu marido chegou, mas não tive vontade de comentar o ocorrido. Ninguém acreditaria mesmo.

O que sei, é que nunca deixo faltar chocolate em casa. Desde aquela noite, outros blackouts aconteceram enquanto eu dormia e só sei disso, porque nas manhãs seguintes minha casa exala um odor de ovos podres e enxofre, além de que sempre dou falta de pelo menos uma barra de chocolate em minha dispensa.
Já tentei explicar ao meu marido sobre essas visitas por conta dos chocolates e do mau cheiro. Ele não acredita, mas por via das dúvidas, sempre que se lembra, compra um punhado de doces e os deixa no baleiro em cima da mesa de jantar.

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