quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O suéter vermelho


“Você é luz. É raio estrela e luar. Manhã de sol, Meu iaiá, meu ioiô” - Assim mais um dia começava para Luzinete, que embalada por sua música favorita se deu conta que estava atrasada para o trabalho.
Atualmente trabalha como balconista em uma loja de roupas masculinas de grife, mas não foi sempre assim.
Luzinete saiu de Santo Antônio do Pinhal com 13 anos para trabalhar como babá em uma casa de família em São Paulo e quando as crianças ficaram maiores, seu patrão lhe ofereceu um emprego em sua loja num bairro nobre da cidade.
O lugar era muito bem freqüentado por empresários, modelos e até artistas de TV, o que fazia com que Luzinete vivesse fantasiando com o dia que um desses distintos homens a chamaria para sair.
Naquele dia tomou o ônibus como de costume e a caminho do trabalho, se lembrou do estranho sonho que teve: um homem sem rosto vestido num suéter vermelho vinha a seu encontro num lindo cavalo branco, a pegava em seus braços, lhe dava um delicioso beijo de amor e então ela acordou. Ligou o rádio e lá estava ele: Wando! Não havia de ser coincidência. Esse sonho só poderia ter um significado: Luzinete encontraria seu príncipe encantado a tempo de poder comemorar a festa de Santo Antônio e seu aniversário em sua cidade natal. Ela sabia que em breve ele chegaria vestido em um lindo suéter vermelho e, bom, quanto ao cavalo branco, ela imaginava que seria pedir demais.
Como já era tradição, ela sempre voltava à Santo Antônio para as festas do padroeiro e logo após a missa, sua família se reunia para comemorar seu aniversário. Ela havia prometido a si mesma que neste ano não iria viajar a menos que tivesse um namorado para exibir às amigas e parentes. A vida toda teve que agüentar os comentários da família dizendo que mulher nascida em dia de Santo Antônio não fica solteira. 27 anos depois e ela contabilizava um fracasso amoroso atrás do outro, por isso decidiu que não iria, não queria ser motivo de piada entre as amigas que já estavam casadas.
Mas aquele dia seria diferente. Nete, como era conhecida na loja, seguia com a sua rotina de arrumar as prateleiras, atender eventuais clientes quando aquele homem cheiroso entrou. Não sabia definir qual era o perfume, mas sabia que gostava e qual não foi sua surpresa ao olhar para o novo cliente e perceber que além de cheiroso e lindíssimo, ele vestia um suéter vermelho!
Como era de se esperar, tratou-o como um rei, ou melhor, como um príncipe encantado, lhe mostrou a loja inteira e na hora de pagar ele ainda a deixou uma gorda caixinha. O príncipe se fora, mas Nete tinha certeza que voltaria, ainda mais quando notou que o cheiroso, como passou a chamá-lo, havia esquecido o lindo suéter.
Uma semana se foi e nada do cheiroso voltar. Nete começou a pensar em ligar para o cliente, mas seu patrão achou melhor que não ligasse. Se ele sentisse falta do suéter, viria buscá-lo.
Só havia então uma coisa que ela poderia fazer: uma mandinga de amor, claro! Assim ela garantiria que seu cheiroso voltasse e quando o fizesse, ele se daria conta que estaria apaixonado por ela.
No mesmo dia roubou um fio do tal suéter, foi para casa, amarrou duas velas vermelhas com o fio vermelho, lambuzou as velas com bastante mel e deixou na janela para o banho de lua cheia. Para garantir, virou seu Santo Antônio de cabeça para baixo afim de que ele desse uma força à sua causa.
No dia seguinte, se perfumou toda, arrumou o cabelo esperando que sua simpatia fizesse efeito e seu príncipe entrasse pela porta da loja a qualquer momento. Ele não apareceu, nem naquele dia, nem no outro.
Duas semanas se passaram e Nete começou a aceitar o fato de que ele não viria. Ligou para os pais informando que neste ano passaria o aniversário na capital e deu a desculpa de que teria que trabalhar.
Mais um dia dos namorados chegava e Nete continuava solteira. Fora trabalhar como de costume, sem muito entusiasmo. No final da tarde, perto da hora de sair, um homem entrou na loja perguntando por um suéter vermelho que alguém teria esquecido semanas antes. Ela prontamente se dirigiu ao balcão e percebeu que aquele não era o “cheiroso”
— Com licença – disse ela – mas o senhor não é o homem que esqueceu o suéter. Eu me lembro bem dele, era mais alto, cabelos mais curtos e era muito cheiroso.
— Verdade. Meu namorado esqueceu aqui. Ele está ali fora, me esperando no carro.
— Nãoooooooo! – E Nete deixou escapar um grito que se ouvia a um quarteirão.
— Não?!
— Ah, me desculpe a indelicadeza, mas não imaginava que aquele homem tão lindo fosse gay!
— E por quê?Temos que ser feios?
—Não, claro que não, me desculpe, não estou num bom dia. – Nesta hora a pobre Luzinete não sabia onde enfiar a cara. — O senhor se importaria se eu devolvesse o suéter pessoalmente?
— Fique à vontade.
E lá foi ela devolver o suéter ao cheiroso que estava esperando seu namorado num lindo e possante carro branco. A esta altura, a pobre coitada achava que o destino tinha um péssimo senso de humor.
Nete chegou em casa tão desconsolada que tinha vontade de sumir. Ligou o rádio e lá estava ele novamente: Wando - fogo e paixão.
—Meu iaia,meu ioio uma ova! - E num impulso jogou as velas, o santinho e o mel pela janela.
— Ahhhhhhhhhhh
Ouviu-se então um grito de dor e Nete foi correndo ver o que tinha acontecido: era Jeremias, o porteiro do prédio vizinho que havia sido atingido na cabeça pelas velas que ela acabara de jogar.
Com a pancada, Jeremias caiu de sua bicicleta branca e ao cair, acabou sujando seu suéter vermelho.
Nete não teve dúvida, antes de sair para ajudar o pobre rapaz, ligou para os pais avisando que não teria mais que trabalhar no dia seguinte. Informou que iria para Santo Antônio comemorar o dia do Santo e seu aniversário juntamente com seu novo namorado, o Jeremias.

2 comentários:

Malu disse...

Amei esse texto!
O seu bom humor, o seu olhar divertido para a vida é uma delícia, Dani!
beijocas,

Ana disse...

adorei! :D