terça-feira, 15 de janeiro de 2008

AS BALEIAS




Morar na praia tinha suas vantagens. O mar sempre tão perto parecia levar meus problemas pra longe de vez em quando, por isso me habituei a contemplá-lo todos os dias.
E todos os dias pareciam iguais até aquele dia. O dia em que centenas de baleias apareceram mortas na praia. Na minha praia. O que não fazia o menor sentido uma vez que baleias não costumam passar perto dali, ou não passavam até então. Foi horrível. O noticiário mostrou a mesma imagem por dias.
Semanas depois, uma outra baleia apareceu encalhada, mas não estava morta. A população tentava ajudar como podia, com toalhas molhadas, baldes... Até que o vira pela primeira vez, não sabia como chamá-los.... Enfim, no meio do tumulto uma espécie de caminhão-tanque-anfíbio gigante apareceu... Todo branco. Lançou uma grande rede, recolheu a baleia e em questão de segundos desapareceu no mar. Minutos depois, foi possível ver a baleia ser solta e levantar sua cauda como quem diz adeus... Lindo!O público foi ao delírio, aplaudindo e gritando, feliz com a idéia de que aquele enorme tanque havia salvado o lindo animal.
Por algum motivo que os biólogos e eco-chatos de plantão não sabiam explicar, a mesma cena continuou a se repetir por dias, semanas... Eu simplesmente assistia a tudo como quem assiste a uma peça de teatro de camarote. A ficha demorou a cair. Aquela cena repetida, dia após dia parecia ter saído de um livro de histórias surreais, coisa além da imaginação. Milhões de teorias apareceram e eu simplesmente assistia a tudo, sem entender.
De minha janela tinha uma perspectiva privilegiada e como não estava trabalhando, podia observar cada detalhe minuciosamente. Foi assim, observando todos os dias que passei a notar algo de diferente e comecei então a juntar as peças desse intrigante quebra-cabeça: Notei certo dia que toda vez que a baleia era libertada, todas elas, sem exceção faziam o mesmo movimento com a cauda. Até aí, nada de mais. Também notei que toda vez que uma baleia era solta, minutos depois um enorme navio branco saia de trás da ilha que havia na baia. O mesmo navio branco, todos os dias. Um navio diferente de todos os outros que estou acostumada a ver seguindo em direção ao porto. Esse navio não tinha bandeira. Não possuía nenhuma indicação de sua função, nome, nacionalidade, nada.... Comecei a ficar cada vez mais curiosa e comprei um par de binóculos. Sabia que havia alguma coisa de muito estranha nessa história, mas não tinha evidências do que seria.
Mais de um ano se passou e as baleias não eram mais novidade. Nem os turistas se interessavam mais, mas minha curiosidade se tornou uma obsessão e num dia, como outro qualquer, eu tive a primeira prova de que tudo isso começaria a cheirar muito mal: nesse dia,quando a baleia abanava sua cauda, notei que a imagem do animal havia congelado no ar e logo depois teria falhado como um filme no cinema, Não era possível que só eu tivesse notado aquilo!No dia seguinte, resolvi que deveria tirar toda estória a limpo e discretamente me posicionei atrás das pedras onde sabia que a baleia apareceria.
Não demorou muito e logo todo o circo começou: a baleia encalhou, o tanque apareceu e desta vez eu consegui me aproximar de tal forma que me escondi entre os compartimentos do tanque.... Loucura!Logo ele entraria no mar e eu não sabia o que poderia me acontecer, mas minha ousadia rendeu o maior escândalo que o país já teve nos últimos anos. Para minha sorte, o compartimento no qual eu me escondi, não fora inundado com a água quando o veículo entrou no mar, do contrário, pude abrir uma pequena porta que me levava ao interior do carro-anfíbio e lá eu tive a revelação!Não, não encontrei a “Luz”, não morri e não tive uma conversa com “Jesus”. O que eu ouvi foi muito mais chocante do que isso: Militares conversando sobre a “Operação Holograma”.
Que raios era essa operação afinal?E quando eu poderia sair dali?Será que quando dessem conta de minha presença eu sofreria alguma tortura?Continuei incógnita ouvindo a tudo com muita atenção. Fiquei em estado de choque, mas após tomar conhecimento do que com o que eu estava lidando, eu tinha que dar um jeito de sair do tanque e coletar mais provas do que havia ouvido. Voltei por onde entrei, forcei a escotilha do compartimento e consegui sair, no mar, longe da praia.... Sei nadar,mas depois de uma hora nadando,fiquei sem forças e simplesmente boiei até que algum barco de pescador me achasse. Não demorou muito, me acharam e fui encaminhada ao hospital local sem maiores problemas.
Precisava então descobrir um meio de provar tudo que eu passei a saber.Tenho amigos jornalistas,mas não queria divulgar a notícia sem ter provas concretas de todo o esquema.Comecei a pensar em um plano infalível,me sentia a própria espiã internacional....fui atrás do que havia de mais moderno em tecnologia de comunicação: celulares à prova d’água, micro-câmeras,gravadores... Enfim, tudo que pudesse me ajudar a conseguir as tais provas irrefutáveis de todo esse embuste. Era a história de uma vida!Com certeza mudaria a minha para sempre.
Num dia qualquer, munida de toda a minha coragem fui atrás das provas. Por paranóia ou por precaução,deixei uma carta num lugar estratégico caso eu não voltasse,explicando o que havia acontecido. Por alguma razão que nunca vou entender, minha mãe achou essa carta antes que eu tivesse tempo de chegar ao tanque. Muito pior que isso, ela achou a carta e preocupada com a minha segurança e sanidade mental, avisou a polícia, que me encontrou antes que eu pudesse entrar no veículo. Obviamente, minha história soou tão absurda que fui submetida a uma avaliação psiquiátrica e finalmente diagnosticada como esquizofrênica.
Hoje conto minha história, porque 5 anos se passaram desde aquele dia e graças a um e-mail que havia enviado a um jornalista local, a verdadeira história da “Operação Holograma” que envolvia uma baleia por dia, veio à tona.
No momento, me preparo para aparecer num programa de TV que se interessou pelo escândalo e pelos detalhes tão sórdidos de todo esse esquema.
Perdi o contato com minha mãe desde que fui colocada no hospital, mas pretendo recuperar minha vida na medida do possível. E finalmente, a verdadeira história viria a público com todos os detalhes que seguem: As baleias eram encurraladas em alto mar,de forma que fossem parar na praia de minha cidade.A cidade fora escolhida principalmente por sua geografia e por não ser uma cidade de muito interesse nacional.Bom,o esquema envolvia os governos do Japão e do Brasil,com tecnologia russa e coreana.Desde que o Japão fora proibido de caçar baleias ( o resto do mundo não caçava mais),o país se viu diante de um grande dilema, já que o óleo de baleia era usado entre outras coisas, como matéria-prima essencial em toda rede de fábricas de cosméticos de última geração e que há muito havia se tornado a principal fonte de renda do país.Não sei de que forma o acordo entre os paises fora firmado e nem em que termos, mas o Brasil lucraria muito com o acordo (bom, ao menos o presidente lucraria). As baleias eram enviadas para a praia, em seguida capturadas e levadas ao enorme navio branco. O povo ficava feliz, não questionava e tudo ficava bem. Chegando ao navio a baleia era morta e seu óleo era extraído da forma mais vil que se possa imaginar e enquanto isso, um holograma da cauda do animal era projetado na praia. A tecnologia usada nos veículos era Russo-coreana e obviamente esse países também deviam levar uma parte gorda do acordo. O esquema foi desmantelado, o presidente deposto e os outros paises envolvidos agora sofrem sansões apoiadas pela ONU.
Quanto a mim, bom, aprendi muito enquanto estava internada e passei a escrever contos surreais que são lidos em mais de 20 países.... Por razões óbvias, meus livros não são publicados no Japão, na Coréia nem na Rússia, mas com o advento da internet, fiquei sabendo que tenho muitos fãs nesses países também!

Nenhum comentário: