quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mais um texto premiado - Imortal


(Texto premiado com o segundo lugar no concurso literário promovido pelo site www.alcateia.com )

O telefone toca:
- Alô!
- Oi, sou eu. Não tô conseguindo dormir.
- Não vai me dizer que é por causa do filme.
- Justamente.
- Não acredita mesmo que existam vampiros e lobisomens, acredita?
- Não sei... Fiquei pensando nas histórias que minha avó contava.
- Não seja ridícula. Nada disso existe. Vai dormir que você ganha mais.
Isabel foi se deitar imaginando a razão pela qual havia concordado em assitir um filme de terror com Hélio. Talvez quisesse impressioná-lo. Estava solteira há tanto tempo que ter companhia para ir ao cinema não era má idéia, mesmo que fosse para assistir um filme daqueles.
Conseguiu fechar os olhos e chegou a dormir um pouco até ser acordada por um estrondo vindo da janela.
- Hélio? O que está fazendo aqui? Que horas são? Porque entrou pela janela?
- Não tenho tempo para explicar. Vamos, preciso tirar você daqui agora.
- Como assim? O que está acontecendo?
- Anda Isabel! Você corre perigo.
Hélio a puxou pelo braço e sairam correndo da casa. Não falou nada até entrarem no carro e se afastarem por alguns quarteirões.
- Não vai me dizer o que está acontecendo? Deve ser muito grave para você me tirar de casa no meio da noite e ainda por cima vestindo essa camisola velha.
- É uma longa história que quero te contar com calma, mas agora precisamos correr.
- Olha aqui... Eu não estou gostando nada disso, acho que... –
- Ahhhhhhhhhhhhh...
Ouviu-se o som de uma freada acompanhada pelos gritos histéricos de Isabel. Não podia acreditar no que via. Os faróis do carro parado iluminavam uma criatura no meio da rua deserta.
- Ah meu Deus! É um lobisomem? Eu devo estar sonhando.... Isso é um pesadelo! – gritava Isabel enquanto apertava os olhos tentando ignorar o que estava à sua frente. Não era possível, pois a criatura falava:
- Me entregue Celina.
- Você não sabe o que está fazendo – disse Hélio
- Não tenho tempo para discutir, Ulric. Você sabia que esta hora chegaria e teria que tomar uma decisão. Vamos, não dificulte as coisas. Não me obrigue a te machucar.
- Ei! Não quero ser rude, mas estou bem aqui e não me chamo Celina. Senhor Lobisomem, com todo respeito, você está me confundindo. Eu sou Isabel e este aqui é o Hélio. Tenho certeza que podemos resolver esse mal-entendido de uma forma civilizada – Ainda descrente de que estava realmente falando com um lobisomem.
- Não tenho tempo para piadas. Saia do carro!
- Você sabe que eu não lhe entregarei Celina sem antes lutar!
O que se viu em seguida foi ainda mais inacreditável: Hélio se transformara num lobisomem e lutava violentamente contra a outra fera.
Isabel, sem saber o que fazer, se afastou lentamente e começou a correr. Não foi muito longe: recebeu uma forte pancada na cabeça e desmaiou.
Ao acordar, ainda atordoada pela pancada, a primeira coisa que notou foi que não vestia mais sua camisola: estava num lindo vestido de seda vermelho com bordados que lembravam as vestes de uma princesa medieval. Deitada sobre uma enorme e luxuosa cama imaginou que estaria num castelo e que precisava dar um jeito de sair dali. Tinha que descobrir o que estava acontecendo, sem saber que suas dúvidas seriam sanadas em breve. Foi até a janela do quarto onde se encontrava e se deu conta que estava em uma torre muito, muito alta. Seria impossível sair dali se não fosse pela porta. Tinha mil perguntas: Como? Por que? Onde estava?
O silêncio é rompido com alguém batendo na porta e em seguida pedindo permissão para entrar. Era um homem muito bem vestido, lindos cabelos negros e olhos num tom de azul que chegava a ser quase transparente. Sua pele alva, tal como a lua cheia que despontava na janela entregava que ele também fazia parte do esquema macabro no qual ela estaria envolvida.
- Deixe me adivinhar: você é um vampiro!
- Sempre admirei seu senso de humor, Celina... Seja bem-vinda ao lar.
- Olha aqui, não estou gostando dessa história de todo mundo ficar me chamando de Celina... É lobisomem, vampiro... Eu obviamente estou tendo um pesadelo por causa do filme que assisti. Só me diga como acordar.
- Meu irmão me explicou que estaria confusa. Acompanhe-me até a sala de jantar, por favor. Você entenderá tudo em breve.
Isabel, sentindo que não tinha escolha, seguiu o homem pelo castelo até a suntuosa sala de jantar, onde um outro cavalheiro de pele igualmente pálida a aguardava. Ao lado da mesa com vários lugares, havia uma grande jaula e dentro dela, os lobisomens que havia deixado lutando na rua.
- Vejo que já conheceu Ulric e Yago. Me chamo Félix. Acredito que não se lembre de mim. Este é meu irmão Dimitri.
- Não sei se deveria dizer muito prazer, dadas as circunstâncias. Alguém poderia me explicar de uma ver por todas o que está acontecendo?
Mal havia terminado sua pergunta quando reparou no quadro que ornava uma das paredes: uma linda mulher de longos cabelos castanhos e expressivos olhos da mesma cor usava um vestido similar ao seu. Sua pele tão clara quanto as dos homens que a encaravam e não precisou olhar muito para notar que a semelhança não estava apenas em seus vestidos, mas na aparência também. Embaixo do quadro havia um nome, Celina.
- Aceitaria alguma coisa para beber enquanto conversamos?
- Félix, certo?
- Sim.
- Não quero beber nada. Só quero que me explique o que está acontecendo, porque vocês têm um retrato meu na parede, onde estamos...
- Claro, vou explicar tudo. Mas antes, preciso providenciar que os lobos sejam levados daqui... Dimitri, poderia levá-los, por favor?
- O que vai ser deles? – Indagou Isabel.
- Não se preocupe com isso agora.
- Mas preciso falar com o Hélio...
- Tudo a seu tempo. Por favor, não iremos lhe fazer mal. Tente relaxar para que possamos lhe explicar tudo.
Isabel respirou fundo para ouvir o que lhe seria revelado.
- Há muitos séculos atrás, um grande vampiro proveniente de uma família muito nobre aqui da região...
- Desculpe interromper, onde estamos mesmo?
- Lituânia.
- Como assim? Como cheguei aqui? Ainda ontem estava no Brasil.
- Não minha cara. Você adormeceu por dias. Viemos de navio e depois pegamos uma carruagem. Não importa... Posso continuar?
- Por favor.
- Seu nome era Lúcien. Ele se tornara muito respeitado entre os demais vampiros por ter sido responsável pela maior baixa de Lobisomens da História. Nada o detinha até conhecer Lady Celina, seu grande amor. Mas Celina lhe foi tirada muito jovem, vítima da Grande Peste e ele nada pôde fazer porque se encontrava em terras distantes à caça de Lobisomens. Sua culpa foi tamanha que se confinou em seus aposentos dizendo que só sairia de lá quando você voltasse. Ele tinha certeza que voltaria.
- Está tentando me dizer que sou Celina?
- Não exatamente, mas sua essência, ou reencarnação como preferir.
- Mas o que os lobisomens têm a ver com isso? Porque Hélio me protegeu do ataque do outro lobisomen?
- Yago descobriu que você estava viva e iria matá-la. Ulric queria protegê-la porque sabia que tão logo Lúcien retornasse, a trégua contra os Lobisomens chegaria ao fim.
- Não entendo. E onde está Lúcien agora?
- No subsolo. Gostaria de encontrá-lo?
- Claro que não! Por favor... Eu só quero voltar para casa.
- Você está em casa Celina. Não se preocupe, depois de dormir mais um pouco, tenho certeza que estará descansada o suficiente para que possamos recuperar suas memórias.
- Não tenho escolha, não é mesmo?
- Creio que não, minha cara. Você não vê? Finalmente Lúcien poderá voltar. Não gostaria disso? Ele poderá finalmente lhe tornar imortal, como nós.
Isabel, alegando ter coisa demais para absorver de uma só vez, fingiu cansaço e pediu para se deitar. Na verdade, seu único pensamento era o de encontrar uma forma de sair dali.
Retornou aos aposentos onde havia acordado e se deitou, tentando imaginar alguma saída. Sabia que havia alguém guardando a porta e pela janela seria impossível. A total ausência de som no castelo era assustadora, mas fora quebrada rapidamente com gritos e barulhos do que Isabel imaginou ser uma luta. Era Hélio irrompendo em seu quarto de volta à sua forma humana.
- Vamos, temos pouco tempo até virem atrás de nós.
- Como você escapou? Tudo isso é verdade? Quem é você?
- Infelizmente, sim... Mas não temos tempo... Vamos.
- Porque deveria confiar em você agora?
- Não tenho interesse que Lúcien volte, mas também não irei matá-la. Se eu te matar, a trégua termina na mesma hora e... Levamos tempo demais para nos adaptármos e finalmente conseguimos levar uma vida normal. Finalmente conseguimos controlar a mudança de forma. Não quero colocar tudo a perder. É melhor para mim que os vampiros passem o resto da eternidade procurando Celina.
- E quanto ao outro lobisomem, o Yago?
- Ele não causará problemas por enquanto. Anda, temos que correr. Vamos pegar um cavalo e tentar despistá-los na floresta, onde há mais como eu.
Hélio e Isabel conseguiram chegar até o estábulo onde roubaram um cavalo e seguiram rumo à floresta. Cavalgaram por horas até que Isabel acabou adormecendo.
- Ei! Acorde! Celina...
Ainda atordoada com o sonho que acabara de ter, responde:
- Onde estou?
- Em casa, minha querida. Acho que teve um pesadelo.
- Ah, Lúcien! Meu amor... Não imagina como estou feliz em vê-lo. Tive um sonho terrível. Talvez tenha sido uma premonição. Acho que viajei no tempo.
Então, Celina abraçou Lúcien e lhe contou tudo sobre um tempo em que havia um lugar chamado “cinema” e que Lobisomens podiam controlar quando mudavam de forma. Um tempo e lugar onde vampiros haviam dado uma trégua aos seus inimigos porque seu mestre estaria recolhido esperando por seu grande amor. Falou de um lugar chamado Brasil, de carros, ruas e tudo mais que conseguiu lembrar.
Lúcien prestou atenção em tudo que sua amada dizia, impressionado com a riqueza de detalhes com que ela narrava sua história. Naquele dia, achou melhor não deixar o castelo. Abraçou Celina e não pensou nos lobisomens que teria que caçar. Imaginava então se haveria alguma forma de mantê-la ali para sempre, sem que para isso fosse preciso amaldiçoá-la pela eternidade.
Sentindo que não tinha escolha, atendeu a um pedido que sua amada já fazia há anos, mordendo-lhe o pescoço, sugando-lhe quase todo o sangue e em seguida insistindo para que ela fizesse o mesmo. Não acreditava no que havia feito. Não havia volta. Ao menos, quando tivesse que partir novamente, saberia que nada lhe tiraria Celina. Ficaria ali ao lado de sua amada, esperando que a transformação terminasse e refletindo sobre tudo que ela havia lhe contado.
- Imagine! – Pensou consigo mesmo – Lobisomens inteligentes o bastante para controlarem sua forma física... Trégua... Só faltaria ela me dizer que vampiros poderiam andar à luz do dia tranquilamente!

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa sua narrativa. Parabéns!