quarta-feira, 24 de março de 2010

Palavras no varal


Já vinha sem dormir há algumas noites, por isso quando olhava no espelho só o que via era a imagem de um zumbi: olheiras profundas e cabelos sempre desarrumados.
Havia tentado de tudo: chá de camomila, leite morno, mel, receitas caseiras variadas e até uma “certa erva medicinal”... Tudo em vão.
Contabilizava 3 noites no total quando resolveu finalmente ir ao médico:
- Olá! Em que posso ajudá-la?
- Acho que estou sofrendo de insônia. Não consigo dormir há 3 noites.
- Humm... E sabe ao que se deve sua falta de sono?
- Se soubesse não estaria aqui.... Além do mais, sinto sono, muito sono, só não consigo pregar os olhos.
- Mas alguma coisa deve estar acontecendo para que você não consiga dormir. O que sente quando se deita?
- Um cansaço enorme. Chego a fechar os olhos por alguns minutos, mas meus pensamentos ficam agitados e meu cérebro parece não desligar.
- Entendo. Mas no que você tanto pensa quando vai dormir? Conseguiria descrever estes pensamentos?
- Fácil: Eu estou na frente da máquina de lavar, daquelas que a porta abre na frente, transparente, sabe?
- Ahan. Isso tem alguma coisa a ver com suas tarefas domésticas? Não estaria acumulando coisas demais?
- Não acabei de explicar...
- Ah, me desculpe.
-... Então, como ia dizendo, olho para a máquina de lavar, só que em vez das roupas, são palavras que giram sem parar. Palavras e pensamentos. Algumas vezes, frases inteiras. Eu olho, olho e não consigo pegar nenhuma... A máquina nunca pára e eu sinto como se precisasse pegar as palavras e colocá-las no papel. O problema, é que não consigo, porque a máquina não pára ou então, quando pára, eu sinto que as palavras estão tão embaralhadas que simplesmente não me dizem nada.
- O que você faz da vida?
- Escrevo.
- E está com bloqueio, é isso?
- Não chega a ser um bloqueio, porque quando sento na frente do computador as coisas saem. O problema é mesmo na hora de dormir.
- Eu vou te receitar um remédio porque não é bom ficar tanto tempo sem dormir... Mas cá entre nós, posso lhe dar um conselho?
- Tá incluido na consulta?
- Hahaha... Claro!
- Diga.
- Já que as palavras estão na máquina de lavar, você poderia tentar estendê-las no varal. Faça a máquina parar, afinal, o sonho é seu. Talvez você não consiga de primeira, mas vale a pena tentar. Mas só tome o remédio caso não consiga estender as palavras no varal.
Agradeceu ao médico, passou na farmácia, comprou o remédio e foi para casa pensando no que havia ouvido na consulta.
Ao se deitar, já desesperançosa em relação a tudo que tinha ouvido, contou ao marido sobre a consulta e este, por sua vez, achou engraçado e motivou a esposa a tentar fazer o que o médico lhe propusera.
Deixou o remédio no criado-mudo, junto ao copo d’água. Leu um pouco, levantou mais uma vez e fechou os olhos em seguida. Conforme sugestão do médico, ela tentou parar a máquina de lavar e para sua surpresa, a tentativa foi bem sucedida! Restava-lhe então, pendurar as palavras e frases no varal, como fazemos com as roupas molhadas.
Qual não foi sua surpresa ao perceber que juntas formavam um lindo poema! Anotou então suas palavras estendidas no caderninho que estava ao lado do remédio e da água e finalmente conseguiu dormir.
Nas noites seguintes, usou a mesma técnica e por fim consegiu escrever um livro inteiro de poemas que quando publicou, dedicou ao médico que havia lhe dado o ótimo conselho.
Quanto ao remédio, recentemente seu marido jogou fora ao notar que a data de validade já havia expirado. Já se passaram alguns anos desde a consulta e a caixa permaneceu fechada todo o tempo.

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